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quarta-feira, agosto 27, 2014

DIÁRIO DE UM JUIZ - BOAS, MÁS E PÉSSIMAS PRÁTICAS

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Bom dia novamente queridos amigos e assíduos leitores. Mais uma vez estamos aqui reunidos nesta manhã de quarta feira para trocar experiências de nossa idiossincrática vida no mundo jurídico. Hoje temos um misto de historinhas e críticas.

Vamos falar sobre algumas boas práticas relacionas aos pedidos formulados em juízo, e também, obviamente, sobre algumas não tão boas. Usarei alguns exemplos com que me deparei nos últimos tempos e vou tentar escrever alguma coisa que faça sentido, após uma audiência de cinco horas que presidi hoje e enquanto meu filho joga Angry Birds GO no iPad do meu lado. Nem atrapalha essa musiquinha irritante e ele pedindo pra eu olhar o carrinho do Rei Porco voando nos balões né... Mas fazer o que, também não tenho coragem de enxotar ele, depois de ficar longe o dia todo. Então, perdoem-me se aparecer alguma maluquice no meio do texto (alguma fora das já conhecidas).

Vamos lá.

Nosso meio jurídico é essencialmente formal, técnico e burocrático. Herança que recebemos de Portugal, desde a época do descobrimento. Somos iluminados pelos raios solares do procedimento e apaziguados pela segurança jurídica da previsibilidade (boa essa hein!). Sempre que aparece algo de novo entramos em pânico. Praticamente como avistar um disco voador.

Entretanto, ouso dizer que, apesar de ser muito prudente e realmente seguro trilhar caminhos já explorados, algumas vezes trilhar uma nova rota pode trazer resultados surpreendentemente bons. O novo precisa de amigos!

Logo que assumi a minha atual 1a Vara Criminal acabei me deparando com uma dessas necessidades de inovar.

Andaram ocorrendo por aqui diversos casos de travessídios. Curiosamente a maioria das diversas espécies de homicídio tem um nome específico: parricídio, para quem mata o próprio pai; matricídio, para quem mata o cônjuge; suicídio, para quem mata a si próprio etc. E agora eu inventei um novo: o travessídio, para quem mata travestis. Ok, essa foi horrível. Desculpem! Culpa do Angry Birds GO.

Enfim, fato é que realmente têm sido frequentes os travessídios por aqui. Por sinal, muitos deles fazem “ponto” justamente em frente ao nosso fórum à noite! Só rindo mesmo...

Bom, fato é que pelo menos três foram mortos nos últimos meses. Sei que um belo dia um advogado me procurou, dizendo que representava seu cliente que tivera a prisão temporária decretada, como suspeito por um dos travessídios.

Explicou que ele estava com medo de se entregar por conta de todo o ocorrido, e que seu cliente jurava tratar-se de um grande mau entendido, tendo sido, em verdade legítima defesa. Disse que pretendia responder a todo o processo, colaborando com a Justiça, e que precisava, com urgência, se submeter a um exame pericial para demonstrar que sofreu ferimentos, para provar sua tese de que somente se defendeu do travesti agressor. Sugeri ao advogado que peticionasse, e seria analisado.

A hipótese normal seria simplesmente indeferir, certo? Afinal, restaram fortalecidos os argumentos que outrora justificaram a decretação da prisão temporária. Mas aí pensei: de que adianta tocar esse processo seu o réu? Ele vai sumir do mapa, não saberemos o que realmente houve e, fatalmente, o processo acabará suspenso em razão de não ter possível sua citação (“suspenso pelo 366”, como chamamos).

E mais que isso: vai que é verdade? Que realmente foi legítima defesa? Como que o sujeito vai se defender? Como vai produzir essa prova?

Por outro lado, como poderia eu revogar a prisão temporária, estando fortemente presentes todos os seus requisitos?

Éééé meus amigos... é duro cumprir a lei. Sempre acabamos ficando nesses matos sem cachorro...

Mas a necessidade é a mãe da criatividade! Resolvi acreditar na palavra do advogado, que sei ser muito bom tecnicamente e muito respeitado por aqui, apesar da pouca idade. Fiz o seguinte: ao invés de revogar, de plano, a temporária, concedi, de ofício, ao investigado, um salvo-conduto de quarenta e oito horas. Tempo bastante para que ele se apresentasse, fosse interrogado em delegacia e se submetesse ao exame pericial. Feito isso, a depender de seu comportamento e sua versão, seria possível reavaliar sua prisão temporária.

E deu certo! O sujeito se apresentou na delegacia com seu advogado, esclareceu sua versão dos fatos e se submeteu aos exames pertinentes. Demonstrou possuir residência e toda a vontade de colaborar com o processo. Feito isso, caíram por terra os fundamentos da prisão temporária, que foi possível revogar sem nenhuma dificuldade.

Há previsão pra isso na prisão temporária? Não. Houve pedido nesse sentido? Menos ainda. Mas me veio a ideia na cabeça e acabou dando muito certo. O processo segue em trâmite com muito mais dados, pleno de defesa tanto pela sociedade quanto pelo acusado, e caminha para sua conclusão.

E temos exemplos de inovações, especialmente nos processos cíveis de execução. Aliás, é onde vemos a maior dificuldade dos advogados. Basicamente se o BACENJUD e o RENAJUD derem na trave, não sabem mais o que fazer. Aí começa a aparecer um monte de pedido de penhora de televisão velha e tranqueiras que nunca vai dar em nada. Em execução é preciso ser criativo!

Teve um outro caso aqui em que determinada empresa é notória devedora contumaz há anos. Pelo que ouço, está à beira da falência. Na verdade já quase faliu. Julguei dois pedidos de falência contra essa empresa, e só não foi decretada porque, no primeiro, houve um problema de mera formalidade no protesto do título, que impediu a decretação; e, no segundo caso, o protesto estava correto, mas a empresa correu lá e fez um acordo.

Os credores meio que já desistiram de tentar achar bens. O pouco que ainda tem já está tudo penhorado, e nas contas nunca se achava nada. BACENJUD bate uma meia dúzia por semana, sempre com resultado negativo. Eis que o advogado de um credor fez o seguinte: pediu a penhora de valores em uma determinada cooperativa de crédito, apostando que só poderia estar lá o dinheiro escondido. Como ele teve essa ideia eu não sei, mas pediu.

E, de fato, o BACENJUD não alcançava todas as cooperativas de crédito. Por alguma razão, algumas ficavam de fora. Hoje em dia parece-me que não existe mais essa brecha, mas existia.

E o sujeito, sabendo disso, pediu a penhora na boca do caixa da cooperativa de crédito, informando ter tido conhecimento de que haveriam valores pertencentes à empresa devedora por lá. O normal seria pedir o BACENJUD, claro. Mas a criatividade fez mais uma boa prática. Deferi o pedido e... bingo! Dezenas de milhares de reais foram penhorados.

São muitos os casos na prática e frequentemente surtem bons resultados. Por isso sugiro aos amigos juristas que “think outside de box”! Steve Jobs diria think different. Mantenham a mente aberta. As vezes a mera burocracia e estrita legalidade não possuem a resposta para o problema do jurisdicionado! Até porque, como diria Albert Einstein, é insanidade continuar fazendo a mesma coisa e esperar resultados diferentes!

O problema é que as vezes há quem use a criatividade para condutas gritantemente antiéticas. Infelizmente, aliás, é o mais comum.

E posso citar esse mesmo caso da empresa grande devedora para dar o exemplo de má conduta! Foi penhorado lá o valor da empresa, a pedido do credor, certo?

Bom, o normal seria o advogado da empresa recorrer dessa decisão, por agravo, tentando justificar alguma causa de impenhorabilidade ou qualquer outra hipótese que pudesse salvar aqueles valores da penhora. Mas isso, convenhamos, dificilmente surtiria efeito.

E, infelizmente, o advogado usou sua criatividade para salvar seu cliente, às custas de sua idoneidade (que, para mim, até então, era plena). Ao invés de agravar, ajuizou uma correição parcial, que é uma espécie de “recurso” utilizada em situações nas quais o processo tem uma tramitação anômala, absurda, totalmente irregular, pesando também contra a conduta do Juiz.

O sujeito ajuizou essa correição parcial, dizendo, de forma descaradamente mentirosa, que aquela penhora havia sido realizada sem determinação judicial! Pois é... houve o pedido, eu deferi, eu assinei o mandado de penhora... mas, “não houve determinação judicial”. Infelizmente, o desembargador que recebeu esse recurso “caiu” na mentira e, liminarmente, determinou a liberação da penhora.

Adivinhem o que aconteceu com o dinheiro, que o credor a tanto custo e depois de anos de batalha havia conseguido recuperar? Virou pó, óbvio...

No mérito, a correição parcial foi julgada totalmente improcedente pelo Tribunal de Justiça, mas o mal já estava feito. O credor se deu mal...

O advogado pode ter ganhado algum dinheiro com isso, e também a alegria de seu cliente. Mas ganhou também um processo ético na OAB, no qual vai ter que se explicar. É apenas um de muitos caos que já vi. Talvez um dos mais descarados, mas, serve para ilustrar essa espécie de conduta antiética.

E nem só de advogados vivem as más práticas jurídicas. Finalmente chegou o momento de falar mal de algum Promotor de Justiça hehehe :)

Como já mencionei anteriormente, no começo da carreira a gente faz muita burrada. Seja como advogado, juiz, promotor, delegado... faz parte! A gente erra mesmo. Pra isso existem tantos recursos! O que importa é que tenhamos a oportunidade de aprender como nossos erros, sem sofrermos graves prejuízos em razão deles, ressalvadas as hipóteses de dolo, é claro.

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Quando eu ainda era substituto, fiz uma burradinha dessas. Atendendo a uma vara criminal, apreciei um flagrante e acabei não percebendo que o flagrante era de homicídio qualificado. Como tal, é crime hediondo e inafiançável, algo que todos sabemos. Provavelmente eu também sabia na época, até porque tirei excelentes notas no concurso. Mas comi bola... fazer o que :/

Homologuei o flagrante e tudo mais, e concedi ao flagrado a liberdade provisória, mediante fiança. O sujeito acabou pagando a fiança e foi solto.

A situação normal num caso desses seria o Ministério Público, ou eventual assistente de acusação se fosse o caso, manifestar o recurso apropriado, certo? Talvez um simplíssimo recurso de embargos de declaração fosse suficiente.

Lamentavelmente, não foi o que fez um dos promotores daquela comarca. Preferiu ele ridicularizar minha decisão perante seus amigos no Facebook, praticamente me chamando de burro e ignorante perante centenas de pessoas. Baita necessidade de autoafirmação hein... E sujeito foi tão petulante que o fez mesmo sabendo que eu era um de seus “amigos” no Facebook. Mas até que estava demorando... O cidadão criava caso com todos os juízes da comarca, e também não era bem visto sequer por seus colegas de Ministério Público. Uma pena. Deixei grande amigos no Ministério Público daquela Comarca. Esse, entretanto, não viu mais meus dentes.

Como bom recém-chegado, não fiz nada, além de “tirá-lo” do meu Facebook. Fosse hoje, talvez eu não tivesse deixado tão barato. Aí eu pergunto, precisava fazer isso? Até parece que ele nunca errou na vida... O resultado dessa sua postura é o que já falei: segue isolado na comarca, sem ter ninguém que goste dele. Felizmente o ostracismo parece ser o destino obrigatório de todo mau profissional.

Não faz muito tempo um procurador do estado que passou aqui pelo Contestado aprontou uma semelhante. Foi falar bobagem no Twitter sobre uma decisão minha da qual ele não gostou. Ele disse algo como “o que fazer quando um juiz usa por analogia uma lei municipal para extinguir uma execução fiscal de icms, além de rir?”. Eu nem uso essa porcaria de Twitter. Tenho a conta só “pra ter”. Mas não acompanho. Porém, nesse dia, quando me avisaram da postagem, fiz questão de entrar lá e dar a devida resposta: “Muito simples: recorrer ou cumprir. O que evidentemente não ajuda em nada é debochar do Juiz no Twitter”. Obviamente ele nunca respondeu, e pediu remoção pra outra Comarca hehehe.

Mas o pior de tudo são as representações disciplinares. Foi-se o tempo em que a parte, inconformada com a decisão, recorria. Hoje prefere-se a via disciplinar, para atacar diretamente a pessoa do Juiz.

Para quem não sabe, o Juiz só pode ser responsabilizado por alguma decisão que proferiu em algum processo se ficar cabalmente comprovado que o fez com o exclusivo propósito de prejudicar, injusta e ilegalmente, alguma das partes, ou em benefício próprio, por corrupção etc. Fora disso, por mais errada que seja a decisão, o juiz não pode ser responsabilizado. Do contrário, obviamente todos viveríamos com “medo” de “errar” ou “descontentar” e o Poder Judiciário seria completamente inviável! Essa inviolabilidade, aliás, é uma das prerrogativas da Magistratura!

Mas muita gente não está nem aí pra isso. Vivo sendo representado, claramente “de sacanagem”, por advogados e partes que esquecem (ou nunca leram) os dez mandamentos do Advogado, e levam para o lado pessoal alguma decisão.

Essa é, sem dúvida, a pior das más práticas que vem se perpetuando.

Teve um sujeito que veio de um estado distante e me representou perante a Corregedoria porque eu não lhe dei vistas de autos que estavam conclusos comigo. Realmente, não dei. Por uma série de motivos que, fundamentadamente, decidi no processo, no pedido de vistas que ele formulou. Mas ele não entendeu assim. Por vingança, fez o processo disciplinar contra mim.

Foi arquivado, lógico, mas eu passei por todo esse desgaste desnecessário e injusto. Óbvio que não deixei barato. Entrei pessoalmente com uma ação indenizatória contra ele, pedindo reparação dos danos morais que sofri. Penso que será condenado, sem falar nos custos da defesa e tudo mais.

E não é o único no meu rol de processados. Tem um outro advogado, também de outro estado, que me representou porque, segundo sua ótica, eu “não estaria dando prioridade ao processo dele, à qual faz jus por ser idoso”. Pois olhe... pra começo de conversa, ELE é idoso, a parte, que ele representa, e seria beneficiária dessa preferência, não é. Em segundo lugar, no mesmo período em que a maioria dos processos em trâmite pela minha vara tiveram um ou no máximo dois despachos, o dele teve ONZE. Mas o lazarento foi lá e entrou com a representação disciplinar contra mim, só de sacanagem.

Ok, incomodou bastante. Parabéns. Não sei o que ganhou com isso. Mas espero que perca bastante na ação indenizatória que está respondendo :)

E a mais recente foi uma cidadã que eu excluí de um processo, também de forma totalmente fundamentada, porque ela não é assistente, nem litisconsorte, nem opoente, nem nomeada à autoria ou qualquer figura de intervenção de terceiro existente no Código de Processo Civil. Simplesmente ela não deveria estar no processo, senão, eventualmente, por Embargos de Terceiro, que em momento algum ajuizou. Então, fundamentadamente, determinei sua exclusão da relação processual. Poderia, facilmente, caso entenda indevida a exclusão, recorrer dela. Massss.... isso deixou de ser a regra, lamentavelmente.

Entrou no “representeaqui.com.br” (leia-se: site da Ouvidoria da nossa Corregedoria-Geral da Justiça) e fez a reclamação disciplinar contra mim. Afinal, pra que gastar dinheiro com advogado se é mais fácil reclamar do Juiz né? É minha cara... prepare seu bolso também :)

Eu cheguei num ponto da minha carreira que cansei de deixar barato certas coisas. Não vou mais tolerar essas más condutas. Faço tudo o que posso para acertar e trazer o que há de melhor para o jurisdicionado. Atingi o índice de produtividade de 771% no ano passado (o CNJ exige 105%) e até a maio deste ano já estava com 441%. Trabalho feito camelo sempre tentando fazer o melhor para quem precisa. Atendo a todos os advogados, quase sempre imediatamente, e faço o possível para colaborar em tudo que a lei permitir. Não mereço, como meus demais colegas magistrados – em absoluta regra com raríssimas exceções – não merecem, esse tipo de ataque pessoal injusto e gratuito. Então, o jeito é devolver o mal pelo mal. E é assim que as coisas vão ser daqui pra frente.

Mas a grande mensagem que quero transmitir aos amigos juristas é para que nos ajudem a buscarmos soluções novas e mais efetivas para a solução de velhos e novos problemas. Num universo de massificação de demandas, sendo cada vez mais prolífico o CTRL-C /CTRL-V, não dá mais pra ficar fazendo sempre o mesmo.

Temos que inovar. Buscar soluções de mediação, admoestar as agências reguladoras para fazer seu trabalho, pleitear junto ao Ministério Público e Associações legitimadas para dar preferência às demandas coletivas. Enfim, precisamos do novo.

O velho está bem cansado e precisando da merecida aposentadoria. Vamos juntos encontrar as soluções para esse admirável e desafiadora mundo jurídico do novo milênio. E deixemos de lado as más práticas!

E eu vou lá jogar as duas fases do Lego Star Wars no PS3 que prometi pro Eduardo hoje de manhã.

May the force be with you!

Sergio Bernardinetti

Sith Lord por obrigação, já que o Eduardo sempre quer ser o Jedi...

Assintura Sérgio

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