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sexta-feira, agosto 19, 2011

O que é isso meritíssimo - Senteça para leigos

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Nação fundística, eis a seção mais esperada do blog (mentira, sei que vocês só entram aqui pra procurar resumos), a sentença desta semana trouxe algumas discussões sobre o modo que ela foi redigida (recordo desta sentença no curso de pós graduação) houve uma discussão ferrenha entre os que defendiam a linguagem técnica e outros (inclusive eu) que defendiam uma sentença, e porque não um judiciário mais próximo do povo, de modo que todos pudessem entender o que é feito nas casas judiciárias. Eu realmente acho uma puta frescura essa coisa de tecnicismos tolos, mas sou minoria, já que a maioria dos advogados acreditam piamente que falar difícil é sinal de inteligência ou de poder, sei lá, eu acho babaquice e arrogância querer falar difícil diante de pessoas que não vão entender nada. Mas vamos à sentença com uma breve explicação antes: Um marceneiro comprou um telefone celular que depois de um tempo quebrou e ele apesar de humilde, fez valer seus direitos e o desdobramento do processo você vê aqui embaixo.

Vou direto ao assunto. O marceneiro José de Gregório Pinto, certamente pensando em facilitar o contato com sua clientela, rendeu-se à propaganda da Loja Insinuante de Coité e comprou um telefone celular, em 19 de abril de 2005, por suados cento e setenta e quatro reais. Leigo no assunto, é certo que não fez opção por fabricante. Escolheu pelo mais barato ou, quem sabe até, pelo mais bonitinho: o tal Siemens A52. Uma beleza!

Com certeza foi difícil domar os dedos grossos e calejados de marceneiro com a sensibilidade e recursos do seu Siemens A52, maso certo é que utilizou o aparelhinho até o mês de junho do corrente ano e, possivelmente, contratou muitos serviços. Uma maravilha!

Para sua surpresa, diferente das boas ferramentas que utiliza em seu ofício, em 21 de junho, o aparelho deixou de funcionar. Que tristeza: seu novo instrumento de trabalho só durou dois meses. E olha que foi adquirido legalmente nas Lojas Insinuante e fabricado pela poderosa Siemens….. Não é coisa de segunda-mão, não!

Consertado, dias depois não prestou mais… Não se faz mais conserto como antigamente!

Primeiro tentou fazer um acordo, mas não quiseram os contrários, pedindo que o caso fosse ao Juiz de Direito.

Caixinha de papelão na mão, indicando que se tratava de um telefone celular, entrou seu Gregório na sala de audiência e apresentou o aparelho ao Juiz: novinho, novinho e não funciona. De fato, o Juiz observou o aparelho e viu que não tinha um arranhão.

Seu José Gregório, marceneiro que é, fabrica e conserta de tudo que é móvel. A Starcell, assistência técnica especializada e indicada pela Insinuante, para surpresa sua, respondeu que o caso não era com ela e que se tratava de "placa oxidada na região do teclado, próximo ao conector de carga e microprocessador" . Seu Gregório: o que é isto? Quem garante? O próprio que diz o defeito, diz que não tem conserto….

Para aumentar sua angústia, a Siemens disse que seu caso não tinha solução neste Juizado por motivo da "incompetência material absoluta do Juizado Especial Cível - Necessidade de prova técnica." Seu Gregório: o que é isto? Ou o telefone funciona ou não funciona! Basta apertar o botão de ligar. Não acendeu, não funciona. Prá que prova técnica melhor?

Disse mais a Siemens: "o vício causado por oxidação decorre do mau uso do produto". Seu Gregório: ora, o telefone é novinho e foi usado apenas para falar. Para outros usos, tenho outras ferramentas. Como pode um telefone comprado na Insinuante apresentar defeito sem solução depois de dois meses de uso? Certamente não foi usado material de primeira. Um artesão sabe bem disso.

O que também não pode entender um marceneiro é como pode a Siemens contratar um escritório de advocacia de São Paulo, por pouco dinheiro não foi, para dizer ao Juiz do Juizado de Coité, no interior da Bahia, que não vai pagar um telefone que custou cento e setenta e quatro reais? É, quem pode, pode! O advogado gastou dez folhas de papel de boa qualidade para que o Juiz dissesse que o caso não era do Juizado ou que a culpa não era de seu cliente! Botando tudo na conta, com certeza gastou muito mais que cento e setenta e quatro para dizer que não pagava cento e setenta e quatro reais! Que absurdo!

A loja Insinuante, uma das maiores e mais famosas da Bahia, também apresentou escrito de advogado, gastando sete folhas de papel, dizendo que o caso não era com ela por motivo de "legitimatio ad causam", também por motivo do "vício redibitório e da ultrapassagem do lapso temporal de 30 dias" e que o pobre do seu Gregório não fez prova e então "allegatio et non probatio quasi non allegatio".

E agora seu Gregório? Doutor Juiz, disse Seu Gregório, a minha prova é o telefone que passo às suas mãos! Comprei, paguei, usei poucos dias, está novinho e não funciona mais! Pode ligar o aparelho que não acende nada! Aliás, Doutor, não quero mais saber de telefone celular, quero apenas meu dinheiro de volta e pronto!

Diz a Lei que no Juizado não precisa advogado para causas como esta. Não entende seu Gregório porque tanta confusão e tanto palavreado difícil por causa de um celular de cento e setenta e quatro reais, se às vezes a própria Insinuante faz propaganda do tipo: "leve dois e pague um!" Não se importou muito seu Gregório com a situação: um marceneiro não dá valor ao que não entende! Se não teve solução na amizade, Justiça é para isso mesmo!

Está certo Seu Gregório: O Juizado Especial Cível serve exatamente para resolver problemas como o seu. Não é o caso de prova técnica: o telefone foi apresentado ainda na caixa, sem um pequeno arranhão e não funciona. Isto é o bastante! Também não pode dizer que Seu Gregório não tomou a providência correta, pois procurou a loja e encaminhou o telefone à assistência técnica. Alegou e provou!

Como não temos Jornal próprio para publicar, mande pelo correio ou por Oficial de Justiça.

Se alguém não ficou satisfeito e quiser recorrer, fique ciente que agora a Justiça vai cobrar.

Depois de tudo cumprido, pode a Secretaria guardar bem guardado o processo!

Por último, Seu Gregório, os Doutores advogados vão dizer que o Juiz decidiu "extra petita", quer dizer, mais do que o Senhor pediu e também que a decisão não preenche os requisitos legais. Não se incomode. Na verdade, para ser mais justa, deveria também condenar na indenização pelo dano moral, quer dizer, a vergonha que o senhor sentiu, e no lucro cessante, quer dizer, pagar o que o Senhor deixou de ganhar.

No mais, é uma sentença para ser lida e entendida por um marceneiro.

Conceição do Coité, Bahia, 21 de setembro de 2005

Gerivaldo Alves Neiva, Juiz de Direito

Processo Número: 0737/05

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