Quinta-feira, dezenove horas em Brasília, depois de uma maratona cansativa no fórum, telefone toca avisando que um “criente tarra preso”, e lá fui eu, munida de um salto enorme que estava gangrenando meu pé, um vademecum mais colorido que Abadá de festa baiana e parcos conhecimentos jurídicos.
Cabe aqui contar que o cliente não era meu. Na verdade, minha amiga e também advogada mirim, foi mandada na missão pelo escritório que ela trabalha. Como era delegacia, clima pesado, fomos ajudá-la. Esse “ fomos” inclui uma advogada juvenil , que advoga há um ano, portanto, já alcançou o patamar de juvenil, e que também ocupa o cargo de minha prima. Por pura amizade e amor aos problemas dos outros, fomos lá.
Éramos duas mirins e uma juvenil da advocacia, num caso complicado. Na porta da delegacia tinha um mutirão de familiares do cliente fazendo vigília. Fiquei um bom tempo lá fora tentando responder perguntas, explicar com paciência questões sobre fiança, prisão, flagrante, formação de quadrilha, etc...
Eu tentei acalmar o povo, mas não tinha jeito. A mãe do preso queria resolver de outro jeito, queria “dar na cara do delegado” (palavras dela). A mulher do preso só dizia “não vou aguentar, não vou aguentar”. Noite pra lá de agradável. Como eu precisava saber o que estava acontecendo direito, ofereci um lenço pra quem queria chorar, pedi licença, e entrei na delegacia.
As outras duas advogadas já estavam lá dentro com o cliente. Eu fiquei com dó do preso nessa hora. Com a minha chegada, éramos três MULHERES falando na cabeça dele. Perguntando, explicando, questionando as afirmações que ele dava. O cliente preso só queria saber que horas que ele ia embora, porque ele tinha compromissos. Como se a situação tivesse simples!
Li o auto de prisão em flagrante, pensando nas trocentas peças pro exame da ordem que fiz, e na mensagem “identifique as teses”. Infelizmente, não era como os exercícios do cursinho, não tinha nada ali que facilitasse a minha vida. Enchi o pulmão de ar carregado de mofo daquela delegacia, passei óleo de peroba na cara, e fui falar com o Seu Delegado.
Apresentei-me, percebi uma cara de descontentamento, e como quem não quer nada, perguntei para o delegado se ele não ia arbitrar a fiança. Ouvi um sonoro “Só se tiver nariz de palhaço aqui doutora, por mim vai apodrecer na cadeia”. Se eu fosse encrenqueira, e sem amor à vida, poderia ter respondido um “ Rá! Mas não depende, amanhã mesmo eu consigo soltar!” porém, disse então que eu tentaria reverter isso junto ao judiciário.
Engoli a resposta do Delegado, em pensamento mandei-o para um lugar de “pouco requinte”, e fomos contar para o cliente que ele ficaria preso aquela noite. Dei uma respirada, cocei a cabeça e falei “então, sabe o compromisso? Pede para alguém desmarcar!
Ele até que aceitou razoavelmente bem, afinal já tinha passado por isso outras vezes. Já os seus familiares não gostaram muito da notícia. Foi um berreiro só, tinha um chorando, o outro gritando, o outro questionando o nosso trabalho. Neste momento agradeci não ser a advogada do cliente, e concluí que daqui por diante minha ajuda pazamiga se limitaria a dar palpite sobre a vida delas, e fazer brigadeiro numa noite depressiva.
Bancar a advogada “porta de cadeia” NÃO MAIS!
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