Vocês sabem que minha leitura do processo penal é a busca do equilíbrio entre o garantismo e a eficiência do processo. Uma busca difícil de ser alcançada, pois exige muita análise em cada uma das situações.
Pois bem, eu estava em uma cidade em que era responsável por um presídio feminino. Saí desta cidade e fui me encontrar com meu pai. Ele estava meio puto e me jogou um jornal e disse: como você explica isso?
A notícia dava conta de uma presa que estava há mais de oito anos sem julgamento.
Eu falei, olha pai, eu não tenho nenhum preso assim, mas amanhã vou visitar o presídio e vejo do que se trata.
Em minha visita ao presídio feminino conversei com cada uma das presas e no final perguntei: escuta, esta reportagem aqui, do que se trata?
Então uma presa se aproximou e disse: sou eu.
Olhei para seus olhos e perguntei: você está presa há mais de oito anos sem julgamento? É sério isso? E ela disse: sim, é sério. Mas eu não tenho nenhum processo assim comigo. E ela me disse: não sou presa de sua comarca, mas de outra.
Peguei os dados e liguei para o juiz e para o promotor que cuidavam do caso e ambos me apresentaram algumas desculpas sobre o porque do não julgamento. Ela era acusada de ser a mandante do homicídio de seu marido. No entanto, a pena mínima para este crime é de 12 anos e ela já estava presa a 8 anos!
O promotor ainda se saiu com a pérola: não há excesso de prazo após a pronúncia!
Confesso que fiquei decepcionado com a conduta de ambos.
Este diálogo ocorreu no mês de novembro.
Em Janeiro eu assumi a vara do colega em suas férias e entrou um pedido de liberdade da presa. O Promotor, claro, foi contra. E ainda disse que me representaria na Corregedoria se eu a soltasse.
Nestas horas nós temos que fazer uma opção muito clara. Entre o que acreditamos e o medo.
Não tive dúvidas da minha escolha.
Em uma decisão de 13 laudas soltei a presa e ainda disse ao promotor: se me representar, eu vou colocar sua representação emoldurada na parede pois será motivo de orgulho para mim.
Resultado: ele não representou mas interpôs recurso em sentido estrito. Como eu já tinha saído de lá, o colega proferiu, literalmente, a seguinte decisão: “O recurso em sentido estrito tem efeito regressivo.
Reconsidero a decisão retro. Expeça-se mandado de prisão”.
Não me arrependo até hoje deste decisão e guardo na mente o título do arquivo que dei a ela: “Vergonha”.