A Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) carrega a marca de intransigente defensora das leis e da ética
na política. No entanto, o que vem ocorrendo na seção do Distrito Federal da
OAB pode arranhar essa reputação. Um processo que tramita no Tribunal Regional
Federal em Brasília aponta uma série de irregularidades nos exames da Ordem do
DF desde 2004. As investigações do Ministério Público e da Polícia Federal já
constataram que pelo menos nove bacharéis em direito conquistaram a carteira da
OAB e, conseqüentemente, o direito de advogar mediante o pagamento de propinas,
que variam entre R$ 4 mil e R$ 30 mil a examinadores da entidade. Durante o exame realizado no
final de 2006, um fiscal da OAB observou com espanto que a candidata Elisângela
Balsanelli entregara a prova em branco. O espanto do fiscal seria ainda maior,
contudo, depois da divulgação dos resultados: Elisângela havia sido aprovada e
solicitava carteira de advogada. Diante das evidências, Roberto Moia
Thompson Flores, que, além de vice-presidente da OAB-DF, preside a comissão
responsável pelo exame e é diretor do curso de direito da Uniceub, acionou a
PF. Elisângela foi chamada à OAB e, ali, confessou que pagara R$ 4 mil a
Priscilla de Almeida Antunes, advogada e examinadora responsável pelas provas
de direito penal. As procuradoras Ana Carolina Rezende de Azevedo Maia e
Luciana Marcelino, porém, estão convencidas de que a fraude não se limita ao
caso de Elisângela.
Priscilla tinha 26 anos quando foi indicada pela
faculdade em que dava aula, a Unieuro, para fazer parte da banca de
examinadores da OAB, em 2004. No mesmo ano, ela passou a ser professora também
em outro curso de direito, no Uniceub. Era seguidamente convidada para proferir
palestras e seminários por conta da sua condição de examinadora da OAB. Em
2005, foi premiada como a “melhor examinadora” da banca. Após a confissão de
Elisângela, Priscilla foi demitida das duas faculdades e poderá ter o registro
para advogar definitiva- RUDOLFO LAGO mente cassado. “O prestígio de fazer
parte de uma banca examinadora me fez aceitar cometer essas transgressões”, diz
Priscilla. Em 23 de agosto, ela foi ao Ministério Público, fez um acordo de
delação premiada e prestou um depoimento que colocou em desordem a seção de
Brasília da OAB.
A ex-professora fez acusações a Estefânia Viveiros,
presidente da OAB-DF, e a Thompson Flores. No depoimento, ela assegura que o
esquema de fraudes nos exames seria comandado por Thompson e que listas com os
nomes de quem deveria ser aprovado chegavam aos examinadores. De acordo com
Priscilla, a presidente da OAB-DF não apenas conhecia o esquema como teria lhe
pedido e a outros examinadores que aprovassem pessoas. “São declarações de uma
criminosa confessa que já não tem mais nada a perder e não tem provas do que
diz”, responde Estefânia. “Eu é que fiz a denúncia. Por que eu faria a denúncia
contra ela se tivesse algum envolvimento com a fraude?”, questiona Thompson
Flores. Segundo Estefânia, uma comissão interna da OAB examinou todas as provas
dos três exames ocorridos em 2006. “Foram encontrados nove casos de fraude.
Todos eles na área de responsabilidade da Priscilla”, afirma a presidente da
OAB. “Se houver mais gente envolvida, será punida, mas isso precisa ser
provado”, diz ela.
É
certo que o fato de a direção da OAB ter chamado a Polícia Federal tão logo
recebeu a denúncia de que haveria fraudes nos exames da entidade pesa a favor
de Estefânia e de Thompson. Mas o Ministério Público tem validado o depoimento de Priscilla.
As procuradoras entendem que a história que incriminou a ex-professora tem
pontos nebulosos. A candidata Elisângela Balsanelli confessou a fraude e o
envolvimento de Priscilla num depoimento informal na própria OAB. Na PF, ela
negou o que dissera. Laudo da perícia atesta que, de fato, não foi Elisângela
quem preencheu a sua prova. Mas a letra também não é de Priscilla. As
procuradoras avaliam que essa é uma evidência de que há mais gente envolvida.
“O procedimento adotado pela OAB-DF na realização do Exame da Ordem era
absolutamente falho”, escreve a procuradora Luciana Martins. Cartões
eletrônicos “com problemas de leitura” eram preenchidos novamente com respostas
diferentes das originais. Os envelopes com as provas não eram lacrados e não
havia orientação para se inutilizar os espaços deixados em branco pelos
candidatos. “Há indícios mais do que suficientes de prática de crime de
falsidade ideológica, estelionato e quadrilha”, conclui a procuradora Luciana.
As procuradoras apontam
outros pontos contra Thompson Flores. Um dos critérios adotados para a escolha
da banca examinadora é que os professores não tivessem nenhuma vinculação de
parentesco com os candidatos. Em 2006, porém, Thompson
permaneceu presidente do conselho responsável pelo exame quando seu filho,
Leonardo, fez as provas. Thompson alegou que o critério sobre o parentesco não
valia para os integrantes da comissão organizadora porque eles não teriam
conhecimento prévio das provas. A alegação de Thompson, no entanto, contradiz
o que disse sua principal assessora, Janaína Fernandes Faustino. Segundo ela,
antes do exame, havia uma reunião da comissão para fazer uma revisão de todas
as provas. Thompson, como presidente da comissão, participava dessa reunião. Há
uma versão de que, durante a prova, Thompson teria ligado para o celular de seu
filho durante a prova, supostamente para lhe comunicar que o Internacional,
time de ambos, acabara de se sagrar campeão mundial. No depoimento ao
Ministério Público, Thompson nega. Diz que ligou para um professor, para que
ele comunicasse o resultado do jogo a Leonardo.
Casos de fraudes nos exames da OAB não são restritos à
seção de Brasília. Em maio, por exemplo, a PF desbaratou uma quadrilha que
fraudava as provas em Goiás. O surgimento dessas denúncias acontece no momento
em que os exames têm colocado em xeque a capacidade dos bacharéis que as
faculdades privadas colocam anualmente no mercado de trabalho. Os índices de
aprovação nos exames têm sido baixíssimos. O último exame em São Paulo aprovou
apenas 13,32% dos candidatos e a seccional paulista da OAB não mais divulgou o
ranking das escolas que mais aprovam seus alunos. Em Cascavel, no Paraná, de
470 inscritos, apenas 11 passaram. Em Brasília, o índice de aprovação é um
pouco melhor: 57,47%.