O sonho de cruzar os mares em um barco a remo ou em um veleiro habita a mente de Caetano Penna desde os 10 anos de idade. Caê se sente fascinado pela ideia desde que leu o livro "Cem dias entre o céu e o mar", lançado em 1984, no qual Amyr Klink narrava sua saga desde o porto de Lüderitz, no sul da África, até a Praia da Espera, no litoral baiano, a bordo de um pequeno barco a remo. E, no dia 17 de janeiro (ou antes disso, se as condições meteorológicas forem boas), terá sua chance. Ele conseguiu entrar em um projeto encabeçado pelo experiente remador Leven Brown e partirá do Sul das Canárias, na Espanha, a Barbados, no Caribe, cruzando cerca de 5,5 mil km para dominar o Oceano Atlântico, remando em um barco de fibra de carbono ao lado de sete estrangeiros.
Mas, além do desejo pela realização pessoal, o carioca de 31 anos, que é mestre amador pela Capitania dos Portos de São Paulo, tem outro objetivo com a aventura. Seu melhor amigo (ou irmão, como ele própria afirma), Rafael Cordeiro Azevedo, foi diagnosticado com osteossarcoma em março de 2005. O tumor maligno nos ossos o levou à amputação da perna esquerda em junho do mesmo ano e à morte no início de 2006. E, quando soube de uma pesquisa do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia em busca da cura para esse mal, tomou uma decisão importante: organizou um crowdfunding, unindo seu desejo pessoal à melhor forma de homenagear o “irmão”, através da página "RemaCaê", na internet.
- Quando descobri que o Into estava com a pesquisa na busca pela cura do osteossarcoma, decidi que era hora de juntar meu sonho pessoal de cruzar os mares com a ajuda à pesquisa para essa doença tão difícil.
Lembro que o Rafael dizia que se ele tivesse sido diagnosticado em alguns anos ele teria mais chance de vencer essa doença. É justamente para dar essa chance para outros jovens que decidi casar esses dois sonhos. A ideia inicial do crowdfunding que organizei no Brasil e nos Estados Unidos era de que 50% do valor arrecadado fosse para a pesquisa e 50% para me ajudar a cobrir o custo da travessia (com equipamentos, mas excluindo vôos, mudanças e preparação, cerca de R$ 90 mil). Mas abdiquei dos meus 50% - comentou Caê, lembrando que o filme "A culpa é das estrelas" retrata a história de um jovem com osteossarcoma.
Foi aí que Caê vendeu seu carro, desmontou seu apartamento e gastou boa parte de suas economias. Mesmo assim, ainda busca patrocinadores para o projeto. E essa é apenas uma das sagas do carioca. Muito antes disso, precisou ser aceito na equipe de Leven Brown. Em 2012, começou a organizar uma expedição com outro amigo, Pedro Botafogo, para atravessar o Atlântico. A ideia era comprar o barco de José Toledo, outro atleta que não teve sucesso em sua tentativa. Na preparação, acabou sabendo de um escocês que estava organizando uma equipe para quebrar recordes no percurso. A aventura com o amigo ficou para uma outra oportunidade.
Caê ficou fascinado pelo currículo de Brown, um remador oceânico muito experiente e detentor de recordes no Guinness Book, e por sua ideia de, com a travessia, obter novamente três recordes que perdeu para uma equipe do Reino Unido: fazer a travessia do Atlântico Sul em menos de 32 dias e 5 horas; ser a embarcação a remo a navegar pelo maior número de milhas náuticas em um só dia; e ser a embarcação a remo a navegar pelo maior número de dias consecutivos mais de 100 milhas náuticas (182,5 km). A aventura tem, ao todo, cerca de 3 mil milhas náuticas. Assim, ele entrou em contato com Brown pela internet.
- Ambos compartilhamos e rimos sobre histórias de tempestades, curiosidades do Brasil e da Escócia e, naturalmente, nossa paixão pelo mar. Ele disse que preparo físico qualquer pessoa poderia conseguir para realizar algo assim. O desafio era conseguir recrutar pessoas que conseguissem manter o espírito de equipe, serenidade e sorrisos com ondas de mais de 10m em meio à tempestade, com bolhas nas mãos e exaustos. Em resposta, eu imediatamente sorri, pois esse era exatamente o desafio que buscava. Durante esses 10 meses entre o diagnóstico e sua partida, mesmo com quimioterapia e amputação, o Rafa deu lições de vida e de amor ao esporte se tornando jogador de basquetebol cadeirante, concluindo o mestrado em educação física e, certamente, não fosse sua partida, ele estaria fisicamente na travessia do Atlântico conosco. Curiosamente, há alguns dias, tive um sonho em que discutíamos sua participação na travessia e que o Capitão Leven ficaria feliz em tê-lo a bordo - relatou, acrescentando que, além dele e do escocês, haverá um sul-africano, duas inglesas e dois ingleses no barco chamado de Avalon, fora o ultramaratonista Don Lennox, que já remou mais de 10 mil milhas náuticas. A expedição será julgada pela Ocean Rowing Society.
A preparação é intensa, com remo, corrida, musculação e natação. Mas não são apenas esses os sacrifícios de Caê. Além de se esforçar diariamente para se manter em condições físicas ideais e de ter vendido tudo que tinha, o carioca precisou também deixar seu emprego. No Brasil, ele morava em São Paulo, e trabalhava como advogado, assessorando clientes em operações do mercado de capitais e de fusões e aquisições.
Dono de um mestrado em Harvard e uma especialização em finanças na London Business School, ele deixou tudo de lado e passou a focar seus estudos nas anotações de Amyr Klink, oferecidas pelo próprio remador, e dicas de Jackson Bergamo, especialista em barcos clássicos e contemporâneos de madeira. No início de setembro, foi para o Reino Unido, onde fez inúmeros cursos de sobrevivência.
- A rotina no barco (um four) é remar duas horas e descansar duas horas, ao longo dos cerca de 30 dias de travessia. Ou seja, você não dorme ou descansa mais de duas horas em nenhum momento durante a travessia. Isso é, sem dúvida, o elemento mais difícil da aventura e para o qual é impossível se preparar. A referência do capitão e de pessoas mais experientes é que, após três dias, seu corpo meio que entra em um estado de choque e, ou você lida muito bem com isso e continua sorridente e bem disposto, ou você sofre até o outro lado. Por isso, remadores oceânicos se dividem entre sonhadores e traumatizados - contou.
Muito antes do remo, Caê tentou ser jogador de futebol, assim como Rafael Azevedo, vítima fatal de osteossarcoma. Os dois atuaram por equipes de base no Rio de Janeiro. Aos 16, o carioca precisou pendurar as chuteiras por conta de uma cirurgia no joelho. Seu amigo optou pela educação física e abandonou o sonho de atuar nas quatro linhas. Mesmo assim, os dois fundaram um projeto tendo o futebol como plano de fundo, a ONG FuteFeliz, que busca criar projetos sociais envolvendo a modalidade para crianças com necessidades especiais. A entidade chegou até a fazer incursões com pequenos irlandeses e sul-africanos em seus países.
A partir dela, eles também fundaram a “Um Pé de Biblioteca”, entidade que visa a instalação de bibliotecas em comunidades carentes com o foco em fomentar a leitura em crianças e jovens. Há oito bibliotecas no projeto, iniciado em 2009, sendo seis no estado do Rio de Janeiro e duas em Minas Gerais.
Fonte: G1
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