Introdução
A constituição Federal prevê vários remédios constitucionais para hipóteses de violação dos direitos individuais e coletivos.
Uma dessas garantias recebe a denominação de “habeas corpus” e é utilizada para o caso de violação do direito de ir, vir e permanecer (liberdade de locomoção).
De fato, dispõe a Constituição Federal no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos – artigo 5º, LXVIII, da CF:
“conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Assim, sempre que alguém se achar violado ou ameaçado em seu direito de locomoção, a Constituição Federal prevê este remédio para que o paciente alcance do Poder Judiciário, uma ordem dirigida ao órgão coator, a fim de que cesse a ameaça ou coação efetiva.
Principais características
Como primeira característica, há de se verificar quem é o detentor deste direito, quem é o beneficiário deste remédio constitucional. Observando-se o teor do texto constitucional, a resposta somente pode ser uma: qualquer pessoa física, nacional ou estrangeira, qualquer que seja idade, credo, raça, cor, sexo, convicção política ou religiosa.
Estão fora desta lista, as pessoas jurídicas por não se aplicar às mesmas a idéia de locomoção. Em verdade, se estas sofrerem qualquer violação aos seus direitos líquidos e certos caberá outro remédio, qual seja, o mandado de segurança.
Destarte, o direito a ser protegido pelo HC é o previsto no artigo 5º, XV, da CF:
“é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;”.
Anote-se que a violação de qualquer outro direito líquido e certo que não o de locomoção de pessoas não será objeto de HC e sim de outros meios constitucionais, como o Mandado de Segurança, o Habeas Data e o Mandado de Injunção, ante a negativa de informações, violação ao direito de propriedade, apreensão ilegal de coisas, etc.
A Carta Magna fala em “tempo de paz”, o que significa dizer que em tempo de guerra esta liberdade pode ser relativizada, em nome do bem maior que é a defesa do território nacional. Não se apegue só ao caso de guerra para a possibilidade de relativização deste direito. Em verdade a hipótese de incidência é a do artigo 137, da CF:
“O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.”
Nos casos do artigo acima transcrito, podem ser aplicadas regras que limitam o direito de locomoção, conforme regra do artigo 139, da CF:
“Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I - obrigação de permanência em localidade determinada;
II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
(...)
IV - suspensão da liberdade de reunião;
V - busca e apreensão em domicílio;
(...)”
Habeas corpus preventivo
É utilizado para os casos de ameaça ao direito de locomoção, como por exemplo, a hipótese do impetrante estar na iminência de ser preso ilegalmente. Para esta hipótese é obtido através do remédio heróico (se concessivo) o chamado salvo-conduto, conforme determina o artigo 660, § 4º, do Código de Processo Penal.
Habeas corpus repressivo ou liberatório
A outra modalidade de “habeas corpus” é a relacionada à necessidade de se afastar um constrangimento à liberdade de locomoção já existente. Neste caso, se concessivo, será expedido alvará de soltura para que o paciente seja posto imediatamente em liberdade (ou restabelecimento da liberdade plena), conforme disposto no artigo 660, § 1º, do Código de Processo Penal.
Legitimidade ativa
Têm legitimidade para figurar no pólo ativo do HC, a própria pessoa que está sofrendo a ameaça ou coação; terceiro no interesse desta (caso de substituição processual) ou o Ministério Público (CPP, artigo 654).
Como a lei processual menciona “qualquer pessoa”, a leitura correta é a de que as pessoas jurídicas na qualidade de “terceiro”, possam ingressar com o HC em favor de pessoa física (beneficiária do remédio).
Por outro lado, não se exige para o HC a figura da “capacidade postulatória”. Assim, poderá qualquer um do povo se utilizar do remédio, importando em verdadeira exceção da necessidade do advogado para a administração da justiça, previsto no artigo 133, da CF.
O analfabeto pode ingressar também com o remédio constitucional, mas desde que outra pessoa assine a seu rogo (art. 654, § 1º, c, do CPP).
Quanto ao Ministério Público, este atua em favor da sociedade (CF, artigo 127) sendo correta a permissão legal para o favorecimento de pessoa que compõe a coletividade. Nesta hipótese, age o MP em nome próprio em favor de interesse alheio.
Legitimidade passiva
O pólo passivo do HC é composto em um primeiro momento pela chamada “autoridade coatora”. Esta representa o Estado, exercendo função pública, geralmente pertencendo à Polícia ou ao Poder Judiciário. O caso mais comum é a do delegado que instaura o inquérito policial, mas nada impede que este inquérito seja requisitado pelo MP, ocasião em que será este a autoridade coatora. A mesma premissa se adéqua ao caso do juiz de direito requisitar o inquérito.
No que se refere aos casos de constrangimento efetivado por particular (ex. pessoa que é mantida em hospital até pagar a conta), a jurisprudência vem firmando entendimento de que é passível de “habeas corpus”.
Casos em que o HC é admissível
A lei processual penal prevê os casos em que o HC é admissível. São os casos em que a coação é considerada ilegal:
- quando não houver justa causa;
- quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
- quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
- quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
- quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;
- quando o processo for manifestamente nulo;
- quando extinta a punibilidade.
A decisão que concede o pedido de HC
Como acima se disse, a decisão que concede o HC, ou manda expedir o salvo-conduto, ou a ordem de liberação (alvará de soltura). Esta é a regra.
Contudo, o HC pode também ser concedido para anular o processo, caso em que este será renovado (CPP, art. 652). Também pode ser utilizado para trancar inquérito penal, o que acarretará o impedimento de seu curso normal.
Contra esta decisão cabem recursos em sentido estrito (CPP, art. 581, X) e o oficial (CPP. art. 574, I).
Se presentes os pressupostos de admissibilidade específicos, caberá recurso extraordinário e especial, conforme previsão constitucional (art. 102, III, “a”, “b”, “c” e “d” /art. 105, III, “a”, “b”, e “c”, ambos da CF). Também pode caber o recurso ordinário constitucional, conforme previsão do art. 102, II, “a” e art. 105, II, “a”, ambos da CF.
A decisão que denega o pedido de HC
Nesta hipótese, a situação é mantida, por entender o Poder Judiciário que não está configurada coação ou ameaça à liberdade de locomoção ou estas são legais.
Contra esta decisão cabe recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, X).
Quanto às cortes Suprema e Especial, remetemos o leitor ao item anterior.
A competência para o julgamento do HC
A competência para o julgamento do HC será do juiz de direito (primeira instância) ou tribunal (segunda instância ou instância superior ou suprema).
Caso seja a autoridade coatora qualquer pessoa que não componha o quadro de órgãos julgadores do Poder Judiciário (ex. delegado de polícia), o julgamento será proferido pelo juiz criminal - primeira instância.
Nos demais casos (quando a autoridade coatora é o próprio juiz de direito), o julgamento é proferido pelo Tribunal que for hierarquicamente superior (federal ou estadual).
Quando a autoridade coatora for membro do MP, o HC será julgado pelo Tribunal, conforme já assentado pela jurisprudência.
A competência será do STJ quando o agente coator ou paciente for Governador do Estado e do Distrito Federal, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais. Também será de competência desta Corte quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
A competência será do STF quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância. Também será competente a Corte Suprema se o paciente for o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.
Processamento
O processamento do HC se dará na seguinte ordem:
- petição de HC;
- recebimento da petição de HC. Se o réu estiver preso, o juiz poderá mandar que este seja imediatamente apresentado em dia e hora designadas (CPP, art. 656) ou se dirigir ao paciente (CPP, art. 657);
- o juiz poderá determinar a realização das diligências que entender necessárias;
- poderá também requisitar informações da autoridade coatora (CPP, art. 655 e art. 662);
- interrogatório do paciente (CPP, art. 660);
- decisão fundamentada dentro de vinte e quatro horas (CPP, art. 660).
*OBS: o processamento nos tribunais obedecerá os artigos 661 / 667, a lei de organização judiciária e o regimento interno do tribunais.
*OBS: se o juiz ou tribunal entender que já cessou a violência ou coação ilegal, julgará prejudicado o pedido.
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