Oi pessoas lindas do universo da juridicidade, eu já critiquei aqui aquelas pessoas que querem processar tudo e à todos e ao que parece este nobre magistrado partilha do mesmo pensamento que eu. E ficou pra lá de puto quando teve que julgar um caso em que dois "elementos" se ofenderam via internet por causa de um jogo, e ai decidiram entrar na justiça cobrando danos morais. Mas o ilustre eme eme deu um belo de um esporro na galera. Em vermelho as melhores partes da decisão:
Ação:
Ação Com Valor Inferior A 40 Salários-mínimos/Juizado Especial Cível
Requerente:
Rafael Mayer da Silva
Requerido:
Leonardo Feldmann e outros
Vistos, etc...
1. Relatório dispensado a teor do art. 38, da LJE.
2. O resto se dispensa e não, por quê Justiça é coisa séria, mas
dá até vontade de pensar nisto em função da matéria discutida nos autos. Li,
confesso que sofri, daí a demora... Aliás, ri, reli e três li, até me
belisquei, para acreditar – a galera do gabinete também leu. Mas, hoje vai. Toda
a discussão dos autos versa a respeito de “problemas” de um jogo na Internet
que se chama VATSIM, que nada mais é do que um ambiente virtual de aviação –
tudo o que presta e não presta ta na Net, não há dúvida. O autor foi
“ofendido”, quer dano moral e os réus foram “rebaixados”, também querem... Quem
mais quer? Vamos fazer um paredão? Tá pior que o BBB. Justiça, direitos e
garantias fundamentais, Senhores Partes, é coisa séria, inobstante por vezes
não o pareça. Enquanto a alta questão de Vossas Senhorias é aqui debatida –
quase 200 folhas -, há pessoas que sofrem aguardando a prestação jurisdicional,
por terem problemas com a vida, a liberdade o patrimônio e, nós aqui, no
VATSIM... Aliás, ATCHIM, não seria um nome mais legal?
Vai - vou poupar - o que já disse em outras
oportunidades, parafraseando meu guru Alexandre Morais da Rosa, é assim:
"Com a devida vênia, não existem os danos
reclamados, sendo que por ser muito fácil ingressar em juízo, acabamos chegando
a situações como a presente de absoluto abuso do exercício do direito de
ação."
"Alguma reflexão é indispensável. Por certo o
acesso à justiça, difundido por Cappelletti e Garth (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH,
Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Helen Grace Northfleet. Porto Alegre: Sérgio
Fabris, 1988), ganhou um forte impulso com a Constituição da República de 1988
e a criação dos Juizados Especiais Cíveis, apontam, dentre outros, Horácio
Wanderlei Rodrigues (Acesso à Justiça no Direito Processual brasileiro. São
Paulo: Acadêmica, 1994) e Pedro Manoel de Abreu (Acesso à Justiça &
Juizados Especiais. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004).
"A questão que se apresenta, todavia, é se no
Brasil de extrema exclusão social (ALVARENGA, Lúcia Barros Freitas de. Direitos
humanos, Dignidade e Erradicação da pobreza: Uma dimensão hermenêutica para a
realização constitucional. Brasília: Brasília Jurídica, 1998), em que os
recursos e meios para garantia do acesso à justiça são escassos (AMARAL,
Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001), justifica-se
a aceitação de toda e qualquer demanda posta em Juízo?
A resposta, antecipa-se, é negativa. Basicamente
por dois motivos:
“a) Primeiro há uma nova compreensão do sujeito
contemporâneo, naquilo que Charles Melman (MELMAN, Charles. O Homem sem
Gravidade: gozar a qualquer preço. Trad. Sandra Regina Felgueiras. Rio de
Janeiro: Companhia de Freud, 2003) denominou como "Nova Economia
Psíquica", ou seja, desprovidos de referência gozar a qualquer preço passa
a ser a palavra de ordem: "A decepção, hoje, é o dolo. Por uma singular
inversão, o que se tornou virtual foi a realidade, a partir do momento em que é
insatisfatória. O que fundava a realidade, sua marca, é que ela era
insatisfatória e, então, sempre representativa da falta que a fundava como
realidade. Essa falta é, doravante, relegada a puro acidente, a uma
insuficiência momentânea, circunstancial, e é a imagem perfeita, outrora ideal,
que se tornou realidade." (p. 37). E isto cobra um preço. Este preço
reflete-se na nova maneira de satisfação de todas as vontades, principalmente
com novas demandas judiciais. E o Poder Judiciário ao acolher esta
reivindicação se põe à serviço do fomento perverso, sem que ocupe o lugar de
limite. Passa a ser um gestor de acesso ao gozo. Se a realidade de exclusão
causa insatisfação, se o outro olhou de maneira atravessada, não quis cuidar de
mim, abandonou, coloco-se na condição de vítima e se reinvindica reparação,
muitas vezes moral. Sem custas, na lógica dos Juizados Especiais, a saber, sem
pagar qualquer preço. Aliás, dano moral passou a ser band-aid para qualquer
dissabor, frustração, da realidade, sem que a ferida seja cuidada. Pais que
demandam indenização moral porque não podem ver os filhos, filhos que querem
indenização moral porque os pais não os querem ver. Maridos e Mulheres que se
separam e exigem dano moral pela destruição do sonho de felicidade.
Demandas postas, acolhidas/rejeitadas, e trocadas por dinheiro, cuja função
simbólica é sabida: pago para que não nos relacionemos. Enfim, o Poder
Judiciário ocupa uma função repatória, de conforto, como fala Melman: "O
direito me parece, então, evoluir para o que seria agora, a mesmo título que a
medicina dita de conforto, um direito 'de conforto'. Em outras palavras, se,
doravante, para a medicina, trata-se de vir a reparar danos, por exemplo os
devidos à idade ou ao sexo, trata-se, para o direito, de ser capaz de corrigir
todas as insatisfações que podem encontrar expressão no nosso meio social.
Aquele que é suscetível de experimentar uma insatisfação se vê ao mesmo tempo
identificado com uma vítima, já que vai socialmente sofrer do que terá se
tornado um prejuízo que o direito deveria – ou já teria devido –ser capaz de
reparar." (p. 106).
Para este sujeito que reinvindica tudo
histericamente é preciso dizer Não.
“ b) Segundo: pelos levantamentos do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, um processo custa, em média, mil reais. Sobre isto é
preciso marcar alguma coisa. Por mais que discorde da base teórica lançada por
Flávio Galdino (GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005), não se pode negar que o exercício do
direito de demandar em Juízo "não nasce em árvore." O manejo de tal
direito pressupõe um Poder Judiciário que dará movimentação ao pleito, com
custos alarmantes e questões sociais sérias emperradas pela banalização do
Direito de Ação. Nesta comarca de Itajaí, existem milhares de ações aguardando
julgamento, para um número infinitamente insuficiente de Juízes. Impossível que se
promova, de fato, a garantia do acesso à Justiça, ainda mais quando o sujeito
quer satisfazer judicialmente questões de outra ordem, na lógica do: não custa
nada mesmo; irei incomodar o réu.
“ Tal situação, somente prejudica os demais jurisdicionados
que possuem questões muito mais serias a serem analisadas, sendo que todas as
demais questões debatidas pelas partes ficam com a sua análise prejudicada pela
conclusão que aqui se tomou” (sic, ou melhor “Ufa!”).
3. Sejam felizes, que vamos julgar outros feitos, sendo este
IMPROCEDENTE em tudo, por tudo.
Sem custas e honorários.
PRI e tchau!
Itajaí, 12 de março de 2009, o sol agora brilha... Talvez, de
alegria por esta conclusão.
Eduardo Mattos Gallo Júnior,
Juiz de Direito
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