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quarta-feira, agosto 20, 2014

DIÁRIO DE UM JUIZ – DA DESOBEDIÊNCIA AO RANCHO FUNDO

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Muito bom dia a todos em mais uma quarta feira de nossos encontros virtuais neste divertido espaço dos que, como eu, não entendem Direito, mas que estão no caminho!

Hoje gostaria de compartilhar com os queridos leitores uma decisão que proferi há alguns meses, da época em que eu estava naquela conturbada Vara Cível à que sempre me refiro.

Tenho uma “pastinha” de decisões interessantes, proferidas por mim. Algumas porque realmente estudei muito e, no meu entender, ficaram muito boas tecnicamente. Outras porque prolatadas em contextos peculiares. E há ainda aquelas em que não consegui manter o absoluto formalismo e acabei deixando que minhas emoções transparecessem no texto (o que já me rendeu puxão de orelha da Corregedoria...).

Enfim. A decisão que trago hoje, à qual costumo me referir como “a decisão do rancho fundo”, refere-se a um pedido de interdição de uma moça aqui da Comarca. Tudo ia bem até que se mostrou necessária a produção de prova pericial – um dos maiores calvários processuais de nosso Direito.

Na verdade era simples. Como não tenho conhecimentos técnicos em medicina, psiquiatria ou psicologia, preciso que algum desses profissionais examine a interditanda e me diga se ela possui condições de reger a própria vida, ou não. Parece simples, certo?

Seria simples... se a pessoa pudesse pagar por um médico, o que, em 99,9999% dos casos, não é a realidade.

Lembram que eu sempre digo o quanto é perigoso propagar campanhas de difamação e enfraquecimento do Poder Judiciário? Eis aqui a prova do que acontece!

O Juiz, como ser humano, pode vir a ter toda espécie de defeitos. Há, infelizmente, magistrados grossos, mal educados, deselegantes... e outras coisas piores. Infelizmente há, como em qualquer outra profissão. Mas isso não pode, de modo algum, fazer pairar qualquer mácula ao cargo que ele representa. A toga é muito maior do que qualquer um de nós. Fazemos de tudo para merecê-la e honrá-la o quanto possível, dia após dia. E é nosso dever, como cidadãos, lutar por um Poder Judiciário forte, independente, respeitado. É nossa última – para não dizer única – linha de defesa contra as arbitrariedades do Estado e a única* forma legítima de exercício de força para fazer valer nossos direitos.

Não podemos jamais abrir mão ou adotar qualquer conduta que limite, amedronte, apequene... enfim, que enfraqueça nosso Judiciário. Se a Constituição é nossa Carta de Direitos, temos no Judiciário o Carteiro! É apenas e exclusivamente o Judiciário a quem podemos nos socorrer quando um direito é violado e quando queremos vê-lo respeitado.

Se não há forte respeito institucional pelo Judiciário, ocorrem casos como este que trago abaixo.

Havia uma necessidade de perícia médica em favor de uma pessoa financeiramente hipossuficiente, que não pode sequer pagar um advogado. E nosso amado Estado das Araucárias, lamentavelmente, não possui uma Defensoria Pública amplamente capilarizada.

Acolhi o pedido do Ministério Público e determinei que o Município (lembrando que é competência material comum, nos termos do art. 23, II da CRFB, ou seja, de todos os entes federativos – União, Estados e Municípios – prestar assistência integral à saúde) providenciasse um médico para atender a pobre Sra. Ana.

O ofício foi encaminhado à autarquia municipal da saúde.

Num cenário normal, a ordem judicial seria atendida, certo? Pois é. Mas no atual momento político tornou-se normal e aceitável desrespeitar ordem judicial, como se nada valesse.

Recebi uma resposta lacônica do representante da autarquia, basicamente dizendo que eles não estavam a fim de “ajudar” e que era problema meu. Ah, foram super legais e me mandaram a lista de médicos filiados ao Conselho Regional de Medicina com endereço na comarca. Tipo, escolhe um aí. Se vira.

Consideravelmente furioso, prolatei a decisão abaixo naquele processo. É comprida e bastante técnica, mas acredito que valha a leitura, ainda que “por cima”.

Trata-se de pedido de interdição de Ana* (nome verdadeiro substituído), formulado por sua mãe, Sra. Joana*. Já realizada audiência de instrução, falta apenas a perícia médica, a fim de atestar sua condição e, caso favorável, permitir sua interdição.

Lamentavelmente, a Sra. Ana é pobre. Miserável. Mora nos confins do bairro Panorama, no distrito de São Cristóvão em conjuntos habitacionais populares. Fosse pouco, é também área de enchentes. Como diriam Chitãozinho e Xororó em uma de suas mais belas canções, “no rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo”.

Mas Ana não é somente pobre. É pobre e deficiente mental, exatamente o tipo de pessoa que o Governo não tem nenhum interesse em ajudar. Afinal, ela tem o maior dos defeitos: não vota.

Ana não pode se consultar no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, como habitualmente fazem nossos deputados e senadores. Tampouco pode locomover-se através de aeronaves e helicópteros custeados pelo Erário, como vimos ser feito por autoridades públicas na semana passada em nosso Município.

Não pode sequer pagar um médico (talvez um médico cubano, afinal, são apenas cem dólares ao mês, uma pechincha!). Por isso pede socorro ao Poder Judiciário, para que possa ser interditada e, assim, passe a receber os benefícios assistenciais a que tem direito.

Através de ordem judicial, foi requisitado à Prefeitura Municipal que providenciasse um Médico, preferencialmente neurologista ou psiquiatra, para que realizasse a simplíssima diligência, devolvendo, assim, um mínimo de dignidade à autora.

Mas não. Cumprir ordem judicial virou faculdade no Brasil. Afinal, pra que cumprir se é possível trazer algumas desculpas e, assim, escusar-se da determinação?

Foi o que fez a Prefeitura Municipal, através da Fundação Municipal de Saúde (FUSA), que respondeu o ofício encaminhado por este Juízo, informando que tal atribuição é do Poder Judiciário e que seu quadro de profissionais é escasso.

Ocorre que em momento algum foi formulado consulta à FUSA quanto às suas atribuições, nem tampouco requerido explicações a respeito da ordem. Foi determinado, através de ORDEM JUDICIAL, devidamente fundamentada, a indicação de médico vinculado à rede pública para realizar a perícia necessária ao deslinde deste feito.

Só há duas posturas aceitáveis frente a uma ordem judicial: cumprir ou recorrer. O descumprimento é odioso e atentatório ao Estado Democrático de Direito, devendo ser coibido com a severidade que for necessária.

A prestação de atendimento à pessoa portadora de deficiência decorre de lei, mais especificamente a Lei 7.853/89, e a recusa à prestação de atendimento médico-hospitalar à pessoa portadora de deficiência implica a prática de crime, tal como prevê o art. 8º da citada lei:

Art. 8º Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa:

IV - recusar, retardar ou dificultar internação ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial, quando possível, à pessoa portadora de deficiência;

A mesma lei prevê a possibilidade do ajuizamento de Ações Civis, por iniciativa do Ministério Público, compelindo a Administração Pública a prestar todo o atendimento à Pessoa Portadora de Necessidades Especiais. Isto sem prejuízo de eventuais Ações Civis de Improbidade Administrativa tal como previsto no art. 11º da Lei 8.429/92.

Fato é que o ato administrativo (o ofício de #68) padece de evidente vício de motivação, porque o cumprimento ordem judicial não é ato discricionário, ainda mais quanto convergente ao resguardo de interesse de pessoa incapaz.

Em regra, não incumbe ao Poder Judiciário (lembrando tratar-se de um dos três poderes da república) analisar a conveniência e a oportunidade das políticas públicas. Porém, tratando-se da efetivação de diretos fundamentais, notadamente a dignidade da pessoa humana, princípio-norma-mater de eficácia plena, a situação se afigura diversa. Por isso, não se trata de indevida interferência jurisdicional na discricionariedade do administrador público, mas de correção da falta de atendimento aos comandos constitucionais, os quais já elegeram a prioridade absoluta e, por consequência, sua intrínseca alocação prioritária de recursos.

A Constituição tem prevalência sobre qualquer outro ato, norma ou “vontade política”. Os direitos e garantias nela presentes devem ser concretamente assegurados pelo Poder Judiciário. Todas as lesões ou ameaças a direitos são passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário. É o princípio constitucional da inafastabilidade, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição. A missão institucional do Poder Judiciário caracteriza suas funções típicas como a preservação da Constituição Federal e o exercício da jurisdição, que nada mais é do que a solução dos casos concretos, fazendo-se valer o ordenamento jurídico. E é por isso que a omissão no desempenho adequado e satisfatório de políticas públicas voltadas ao resguardo da dignidade da pessoa humana pode e deve ser apreciada como forma de lesão a direito, cabendo ao exercício jurisdicional a aplicação de solução ao caso concreto. Possível, portanto, a atuação jurisdicional positiva. A esse respeito: TJSP, AI 1747830800, rel. Maria Olívia Alves, j. 5.10.2009.

Mais que isso: é fato que o Estado Brasileiro vem caminhando para a adoção do sistema da common law, ante a cada vez mais frequente judicialização de questões envolvendo políticas públicas. O sistema, em que os precedentes judiciais se substituem às leis formais, é mais favorável em países nos quais os Poderes Executivo e Legislativo são fracos, corruptos, descompromissados com os anseios de seus eleitores e mais preocupados com a costura de alianças políticas do que com o bem estar de seus concidadãos.

Apesar da forte campanha deflagrada contra o Poder Judiciário com vistas ao seu enfraquecimento e desmoralização, com o claro objetivo de alcançar a tão sonhada “governabilidade” (leia-se: carta branca para os Poderes Executivo e Legislativo fazerem o que bem entenderem, sem qualquer controle), é dever do Poder Judiciário, sob a égide de sua missão Constitucional de assegurar a todos o gozo de seus direitos e garantias fundamentais, atuando sob o manto do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) com os demais Poderes, intervir no comando das decisões políticas quando necessário. Neste sentido ensina o Prof. Alexandre de Moraes:

Lembremo-nos que o objetivo inicial da clássica separação das funções do Estado e distribuição entre órgãos autônomos e independentes tinha como finalidade a proteção da liberdade individual contra o arbítrio de um governante onipotente.

Em conclusão, o Direito Constitucional contemporâneo, apesar de permanecer na tradicional linha da ideia de Tripartição de Poderes, já entende que essa fórmula, se interpretada com rigidez, tornou-se inadequada para um Estado que assumiu a missão de fornecer a todo o seu povo o bem-estar, devendo, poois, separar as funções estatais, dentro de um mecanismo de controles recíprocos, denominado “freios e contrapesos” (checks and balances). [1]

Quando o assunto é judicialização de políticas públicas, muito se discute acerca da possibilidade ou não de o Poder Judiciário intervir na chamada discricionariedade administrativa, sendo este o juízo de conveniência e oportunidade dado ao administrador para eleger as providências mais aptas a atender às finalidades decorrentes da função por ele desempenhada.

Desde as célebres lições do Prof. Hely Lopes Meirelles já era de “sabença pétrea”, como diz o Ministro Gilmar Mendes, que o poder discricionário é, em verdade, um dever, consubstanciado na obrigação de melhor atendimento ao interesse público, sem qualquer possibilidade de livre arbítrio por parte do administrador, mormente em questões envolvendo direitos e garantias fundamentais. Ademais, dentre os cinco elementos do ato administrativo (competência, forma, finalidade, motivos e objeto), somente os motivos e o objeto são alcançados pela discricionariedade, restando os demais, e dentre eles destacamos a finalidade, sempre vinculados ao interesse público. Segue o magistério de Hely:

Convém esclarecer que poder discricionário não se confunde com poder arbitrário. Discricionariedade e arbítrio são atitudes inteiramente diversas. Discricionariedade é liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbítrio é ação contrária ou excedente d alei. Ato discricionário, quando autorizado pelo Direito, é legal e válido. Ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido. De há muito já advertia Jèze: ‘Il ne faut pas confondre pouvoir disrétionnaire et pouvoir arbitraire’. Mais uma vez insistimos nessa distinção, para que o administrador público, nem sempre familiarizado com os conceitos jurídicos, não converta a discricionariedade em arbítrio, como também não se arreceie de usar plenamente de seu poder discricionário quando estiver autorizado e o interesse público o exigir.

...

Por aí se vê que a discricionariedade é sempre relativa e parcial, porque, quanto á competência, à forma e à finalidade do ato, a autoridade está subordinada ao que a lei dispõe, como para qualquer ato vinculado. Com efeito, o administrador, mesmo para a prática de um ato discricionário, deverá ter competência legal para praticá-lo; deverá obedecer á forma legal para a sua realização; e deverá atender à finalidade legal de todo ato administrativo, que é o interesse público. exigir.

o estiver autorizado e o interesse pbo scricionarb juiz, de opsta Comarca.

e os trcom a costura de alianças pol

...

Erro é considerar-se o ato discricionário imune à apreciação judicial, pois só a Justiça poderá dizer da legalidade da invocada discricionariedade e dos limites de opção do agente administrativo.

O que o Judiciário não pode é, no ato discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo do Juiz, mas pode sempre proclamar as nulidades e coibir os abusos da Administração.[2]

Assim sendo, não há que se falar em mero exercício de discricionariedade quando o interesse público é preterido, sendo, portanto, pertinente, devida e peremptória a intervenção do Poder Judiciário para restaurar a legalidade na conduta do Administrador Público. E não há qualquer discricionariedade quando o ato se refere ao cumprimento de ordem judicial destinada ao atendimento médico de pessoa portadora de necessidades especiais.

Celso Antonio Bandeira de Mello, inclusive, repudia a denominação “poder discricionário”, chamando-a, com insofismável acerto, de dever discricionário, sendo obrigação do administrador público atuar para sempre alcançar a melhor solução ao atendimento do interesse público em questão. Aliás, o mesmo festejado autor qualifica como hipótese apta a ensejar o Controle Judicial o desvio de poder por omissão:

Não é logicamente repugnante a hipótese de desvio de poder por omissão. Com efeito, bem disse Afonso Rodrigues Queiró: “não agir é também agir (não autorizar é decidir não autorizar)”. Ou pelo menos assim o será em inúmeros casos. Tem-se, pois, que o agente administrativo pode decidir abster-se de praticar um ato que deveria expedir para correto atendimento do interesse público, animado por intuitos de perseguição, favoritismo ou, de todo modo, objetivando finalidade alheia à regra de competência que o habilitava.[3]

E quando se fala no princípio da dignidade da pessoa humana, mormente da portadora de necessidades especiais, evidentemente não há que se falar em discricionariedade no sentido pejorativo de plena liberdade. Há dever do Estado, através de seus Administradores que, no exercício de função administrativa, não podem se omitir e permitirem a violação do mais importante princípio de nossa Constituição.

Lembre-se novamente a lição do prof. Celso Antonio Bandeira de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque represente insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura interna.[4]

Demais disso, antes que se alegue a famigerada Reserva do Possível, tal como já aventado pelo ofício de #68, ao tratar da escassez de pessoal, é assente na doutrina e na jurisprudência que esta não se aplica quando o tema é a destinação de recursos para o atendimento a direitos fundamentais. Inclusive, avilta o bom senso que o país com a maior carga tributária DO COSMOS olvide destinação de recursos para garantir mínimas condições de sobrevivência dignas àqueles indivíduos que estão em situação de hipossuficiência e vulnerabilidade, como as pobres e portadoras de necessidades especiais.

Neste sentido:

ADMINISTRATIVO ­ CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS ­ POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS ­ DIREITO À SAÚDE ­ FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS ­ MANIFESTA NECESSIDADE ­ OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO ­ AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES ­ NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL.

1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais.

2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico- financeira da pessoa estatal.

3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados- membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005).Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1136549/RS, Rel.

MIN. HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 21/06/2010) (grifo nosso).

Extrai-se do corpo do acórdão:

"(...) a atuação do Poder Judiciário no controle das políticas públicas não se pode dar de forma indiscriminada, pois isso violaria o princípio da separação dos Poderes. No entanto, quando a Administração Pública, de maneira clara e indubitável, viola direitos fundamentais por meio da execução ou falta injustificada de programas de governo, a interferência do Poder Judiciário é perfeitamente legítima e serve como instrumento para restabelecer a integridade da ordem jurídica violada".

Inclusive, não é demais lembrar que há norma expressa no texto constitucional conferindo aos Município, em competência comum, o dever de “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência” (art. 23, II da Constituição).

Se a própria Constituição assegura tal direito, por certo que é dever do Poder Judiciário intervir positivamente para assegurar o exercício desses direitos, sob pena de se permitir o retrocesso social, ao arrepio do efeito clicquet típico dos direitos e garantias fundamentais:

O efeito "cliquet" dos direitos humanos significa que os direitos não podem retroagir, só podendo avançar nas proteções dos indivíduos. No Brasil esse efeito é conhecido como princípio da vedação do retrocesso, ou seja, os direitos humanos só podem avançar. Esse princípio, de acordo com Canotilho, significa que é inconstitucional qualquer medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos capazes de compensar a anulação desses benefícios.[5]

Advirto ainda que a jurisprudência autoriza até mesmo que tal providência seja determinada sob pena de multa pessoal ao agente público desidioso, por conta de descumprimento de ordem judicial.

Em recentíssimo julgado, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná já se posicionou favoravelmente à imposição de multa diretamente ao agente público:

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 655.091-8, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA ­ 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E CONCORDATAS. RELATOR: DES. RUY CUNHA SOBRINHO IMPETRANTE: SONIA REGINA GONSIORKIEWCZ IMPETRADO: GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ E OUTRO MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. IMPUGNAÇÃO AO ATO ADMINISTRATIVO PELO QUAL A CANDIDATA FOI EXCLUÍDA DO CERTAME, CONSIDERADA INAPTA PARA A FUNÇÃO, POR DOENÇA. DEPRESSÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO IMPUGNADO. TENTATIVA DA ADMINISTRAÇÃO DE APRESENTAR A MOTIVAÇÃO, POSTERIORMENTE À EDIÇÃO DO ATO. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE INSANÁVEL. PREJUÍZO AO DIREITO DE DEFESA DA IMPETRANTE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DA AUTORA À REALIZAÇÃO DE NOVA AVALIAÇÃO MÉDICA, NA FORMA PREVISTA NO EDITAL DE CONCURSO E MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE MOTIVAÇÃO ADEQUADA. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. FIXAÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA AOS IMPETRADOS POR EVENTUAL DESCUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO JUDICIAL. Concessão parcial da segurança.

(TJPR - Órgão Especial - MSOE 655091-8 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Ruy Cunha Sobrinho - Unânime - J. 18.02.2011)

Do texto do acórdão é possível extrair a possibilidade da astreinte diretamente ao agente público, sendo indicado ainda tratar-se do entendimento firmado por aquela Corte:

Nossa Corte firmou entendimento no sentido da possibilidade da estipulação de astreinte ao agente público, em hipóteses tais, como forma de assegurar o cumprimento da ordem judicial. Confira-se: "A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial que impõe uma obrigação de fazer é do próprio administrador, por meio de quem se exterioriza a pessoa jurídica de direito público a que pertence, de modo que pela desobediência haverá de ser pessoalmente responsabilizado, mesmo pela imposição de sanção de natureza pecuniária, pois o que interessa à Justiça não é a aplicação da multa em proveito do exequente, mas o cumprimento da obrigação imposta e, por conseguinte, a efetividade do provimento jurisdicional."8 Além do precedente transcrito, da mesma 4ª CCí ainda devem ser mencionados daquele colegiado, o julgamento do AI 434.456-5, j. 27.05.2008, Rel. Juiz Substituto em Segundo Grau Fábio Muniz; da Ap RN 409.986-9, j. em 16.06.2009, Rel. Des. Xisto Pereira. Da 5ª CCí., o AI nº 662.394-5, j. em 16.11.2010, Rel. designado Des. Xisto Pereira. E, para encerrar, da 1ª CCí., a ApRN 151.952-0, .j. em 31.08.2004, rel. designado Des. Sergio Rodrigues.

Este mesmo entendimento acha-se definido no STJ que sobre o tema já assentou: "A cominação de astreintes prevista no art. 11 da Lei nº 7.347/85 pode ser direcionada não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes responsáveis pelo cumprimento das determinações 9 judiciais."

E há diversos outros julgados neste sentido, também de nosso Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA EM FACE DO MUNICÍPIO DE CLEVELÂNDIA. TUTELA INIBITÓRIA LIMINARMENTE DEFERIDA. OBRIGAÇÕES DE FAZER IMPOSTAS, SOB PENA DE MULTA COMINATÓRIA. POSSIBILIDADE DE DIRECIONAMENTO AO PRÓPRIO ADMINISTRADOR PÚBLICO ENCARREGADO DO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL, DESDE QUE, PREVIAMENTE INTIMADO PARA TANTO, POSSA EM TEMPO HÁBIL INTERVIR NA RELAÇÃO PROCESSUAL E POSTULAR, QUERENDO, O QUE ENTENDER DE DIREITO. CIRCUNSTÂNCIA PRESENTE NO CASO EM EXAME. RECURSO PROVIDO. (1) A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial que impõe uma obrigação de fazer poderá ser direcionada ao próprio administrador, por meio de quem se exterioriza a pessoa jurídica de direito público a que pertence, de modo que pela desobediência haverá de ser pessoalmente responsabilizado, mesmo pela imposição de sanção de natureza pecuniária, pois o que interessa à Justiça não é a aplicação da multa em proveito do exeqüente, mas o cumprimento da obrigação imposta e, por conseguinte, a efetividade do provimento jurisdicional. (2) Prudente deve ser, no entanto, a conduta do magistrado porque, no mais das vezes, a pessoa física do administrador não integra a relação processual, não podendo, por isso, suportar o ônus pecuniário decorrente da multa cominatória imposta, sob pena de restarem violados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (STJ, 2.ª Turma, EDcl. no REsp. n.º 1.111.562/RN., Rel. Min. Castro Meira, j. em 01.06.2010). Em determinadas situações, no entanto, é possível contornar esse impasse porque a multa cominatória somente tem incidência após a prévia intimação pessoal daquele que está obrigado ao cumprimento da decisão judicial (STJ, 4.ª Turma, EDcl. no Ag. n.º 1.145.096/RS., Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. em 22.11.2010). Nessas condições, escorreita será a ordem judicial se puder o administrador público intervir na relação processual e postular, querendo, o que entender de direito, desde que, obviamente, o prazo estipulado judicialmente isso possibilite.

(TJPR - 5ª C.Cível - AI 662394-5 - Clevelândia - Rel.: José Marcos de Moura - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Adalberto Jorge Xisto Pereira - Por maioria - J. 16.11.2010)

Novamente extraem-se da fundamentação do voto as seguintes brilhantes conclusões, fazendo menção a julgamento histórico capitaneado pelo já saudoso Desembargador Gil Trotta Teles:

A 4.ª Câmara Cível deste Tribunal, em diversas oportunidades, veio a proclamar que "A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial que impõe uma obrigação de fazer é do próprio administrador, por meio de quem se exterioriza a pessoa jurídica de direito público a que pertence, de modo que pela desobediência haverá de ser pessoalmente responsabilizado, mesmo pela imposição de sanção de natureza pecuniária, pois o que interessa à Justiça não é a aplicação da multa em proveito do exeqüente, mas o cumprimento da obrigação imposta e, por conseguinte, a efetividade do provimento jurisdicional" (ApCível n.º 424.021-9, de minha relatoria, j. em 14.04.2008).

Precisa, nesse sentido, a lição manejada em nível doutrinário pelo ilustre Desembargador desta Corte Jorge de Oliveira Vargas, verbis: "Em caso de aplicação da astreinte para obrigar a autoridade pública a cumprir ordem judicial, sobre quem deve recair a multa? Sobre o órgão público ou sobre a pessoa física do administrador? Recentemente, em razão do descumprimento por parte do Governo do Estado do Paraná, de ordem judicial originária de mandado de segurança, o Des. Gil Trotta Telles aplicou uma multa a ser paga pela pessoa física do Governador do Estado (Mandado de Segurança n.º 70.088-5, de Curitiba. Data da decisão: 15.10.99).

Entretanto, alguns defendem que a multa deve ser imposta ao órgão público, porque o administrador público não age em nome próprio, mas como representante do órgão. Este argumento não prospera, porque a desobediência injustificada de uma ordem judicial é um ato pessoal e desrespeitoso do administrador público, não está ele, em assim se comportando, agindo em nome do órgão estatal, mas sim, em nome próprio, porque o órgão, como parte que é da administração pública em geral, não pode deixar de cumprir determinação judicial, pois se assim agir, estará agindo contra a própria ordem constitucional que o criou, ensejando inclusive a intervenção federal ou estadual, conforme o caso (CF/88, arts. 34, VI e 35, IV); seria a rebeldia da parte contra o todo. Quando a parte se rebela contra o todo, ela, a parte, deixa de pertencer àquele.

O Superior Tribunal de Justiça já confirmou decisão que impunha multa pecuniária pessoal à autoridade impetrada. Do texto do aresto colhem-se as citações seguintes: ´No Estado de direito democrático todos, administradores e administrados, sem exceção alguma, são servientes à lei e às decisões judiciais, tanto assim que a Constituição Federal erige como crime de responsabilidade do Presidente da República atentar contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais (art. 85, VI).

A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial é pessoal do agente, por meio de quem se exterioriza a pessoa jurídica, razão pela qual pela desobediência haverá também de ser pessoalmente responsabilizado, mesmo com a imposição de sanção de natureza pecuniária (Conflito de atribuições 46-9 ­ São Paulo (95.29495-8). Rel. Min. Américo Luz)" ("As conseqüências da desobediência da ordem do juiz cível. Sanções: pecuniária e privativa de liberdade". Curitiba, Juruá, pp. 125/126).

É que assim não ocorrendo a decisão judicial, em verdade, nenhuma efetividade terá sobre ser cumprida de forma célere e específica (in natura) a obrigação de fazer ou não fazer por ela imposta, pois restando descumprida de nada adiantará, à frente, determinação interventiva, ser o administrador público responsabilizado criminalmente ou até mesmo por ato de improbidade administrativa.

E, como se sabe, decisão judicial sem efetividade é coisa nenhuma!!! Aliás, a postulada tutela inibitória é um dos mais modernos instrumentos de efetivação do provimento jurisdicional, já que por seu intermédio abandona-se o excessivo apego à vetusta reparação do dano para concentrar-se na sua prevenção ou cessação, ou seja, o alvo da tutela inibitória, voltada a uma prestação específica, é o ato ilícito, impedindo, fazendo cessar ou evitando a continuidade da sua prática É dizer, com base na melhor doutrina processual civil, que "...as normas que, visando garantir determinados bens, vedam certos atos, têm função preventiva. Portanto, se essas normas objetivam garantir bens imprescindíveis à vida social, é claro que sua violação, por si só, implica em transgressão que deve ser imediatamente corrigida. Nas situações em que uma dessas normas é violada, não importa o ressarcimento do dano (não só porque dano pode ainda não ter ocorrido, como também porque a pretensão à correção do ato contrário ao direito é independente da pretensão do ressarcimento do dano) e a punição do violador da norma. O que realmente interessa é dar efetividade à norma não observada" (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. "Manual do Processo do Conhecimento". 3a ed., 2004, pp. 495/496, destacou-se).

Além disso, descumprida a ordem judicial e passando a pessoa jurídica de direito público a ser devedora da multa cominatória imposta, esse ônus pecuniário recairá sobre toda a sociedade, visto que a verba a ser despendida advém do pagamento dos impostos devidos pelos jurisdicionados, vale dizer, trata-se de dinheiro público.

Isso não é justo nem razoável.

O absoluto brilhantismo e senso de Justiça trazido no corpo destes acórdãos citados acima deixa pouco espaço para maiores considerações.

Não é demais lembrar que parte da doutrina defende até mesmo a prisão civil como forma de coerção para o cumprimento das decisões judiciais.

Neste sentido, a lição do Professor Sergio Cruz Arenhart, citado por Fredie Didier Junior:

Sergio Cruz Arenhart sustenta que a vedação constitucional diz respeito apenas à imposição da prisão civil para cumprimento de prestação decorrente de liame obrigacional, quer o objeto dessa prestação seja um fazer, um não fazer, a entrega de coisa ou o pagamento de quantia. Em seu sentir, a menção à dívida no texto constitucional é empregada no sentido do débito, vinculada, portanto, a um contexto obrigacional de prestação.

Sendo assim, embora entenda que “dívida” aí tem acepção ampla, abrangendo prestações pecuniárias ou não, Arenhart admite a utilização da prisão civil como medida coercitiva para cumprimento de ordem judicial, visto que, ainda que esta ordem imponha uma prestação de conteúdo obrigacional, o objetivo maior da prisão seria fazer-se respeitar o poder de império estatal, resguardando a dignidade da justiça. Neste mesmo sentido, Alexandre Câmara.[6]

O desrespeito a decisão judicial é odioso e atentatório à República Federativa do Brasil como um todo, e deve ser combatido a todo custo, sobretudo pelo próprio Poder Judiciário, corolário da democracia.

Finalmente, para maior efetividade do processo e prestigio aos interesses da parte carente da tutela jurisdicional, caso restem descumpridas as determinações de indicação de profissional, entendo ser possível o sequestro de verbas públicas para custeio de perito particular, sem prejuízo das demais ações de natureza cível, administrativa e criminal, além da multa coercitiva.

A lei determina que os honorários periciais devem ser antecipados pela parte que requereu a perícia, ou pela parte autora, quando requerida por ambas as partes ou determinada de ofício, sendo o valor entregue ao perito após a apresentação do laudo, facultada a sua liberação parcial, quando necessária (art. 33 do CPC).

Recaindo a responsabilidade pela antecipação dos honorários periciais sobre parte que litiga sob o amparo do benefício da gratuidade de justiça, entendo que o dever de antecipar os honorários é do Estado (em sentido lato, como União, Estado e Município), por força do disposto no art. 5º, LXXIV, da CF c/c arts. 1º e 3º, V, da Lei nº 1.060/50.

Todo o trabalho deve ser remunerado, não sendo justo nem jurídico que o Estado gratuitamente transfira ao particular um ônus que é exclusivamente seu por força de preceito constitucional, ainda mais diante da natureza alimentar da verba honorária.

Com a devida vênia aos que pensam em sentido contrário, destaco que no meu entendimento não procede a tese de que não seria possível a antecipação do pagamento dos honorários periciais pelo Estado em razão deste não integrar a lide, pois conforme já restou claro do acima exposto, a obrigação estatal não tem qualquer relação com a lide e com o princípio da sucumbência, mas sim visa remunerar o particular pela prestação de um serviço que é de incumbência estatal, sendo ilógico, ilegal e injusto impor aos peritos ainda o ônus de terem que aguardar o trânsito em julgado da sentença (o que pode demorar muito tempo...) para depois despender gastos com a contratação de um advogado para executar a parte sucumbente (ou o Estado, caso quem sucumba seja a parte litiga sob o amparo do benefício da gratuidade de justiça), submetendo-se ainda aos riscos do processo e de eventual falta de solvabilidade do devedor.

Conforme brilhante trecho de voto do Eminente Desembargador Cabral da Silva, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, proferido quando do julgamento agravo de instrumento nº 1.0024.05.857680-2/001(1), “submeter um lídimo auxiliar da justiça a percorrer tal via crucis se mostra fato Kafkiano e tem o sentido de pena imposta aos peritos que colaboram com o aparato judiciário, quando deveria o Estado solver aos mesmos sem maiores delongas honorários periciais como retribuição de seu trabalho, ou manutenir quadro de expert de várias especialidades como apoio ao aparato judiciário”.

Outrossim, a experiência judiciária demonstra que diligenciar em busca de um perito que faça o serviço sem a antecipação dos honorários é tarefa árdua e morosa (fato plenamente compreensível, já que são poucos que aceitam trabalhar de graça e sem saber se e quando virá a receber), que atenta contra o direito das partes à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF), pelo qual o Estado tem o dever de zelar, cumprindo o que determina a Constituição e antecipando os honorários periciais, salvo se indicar profissional integrante de seus quadros para a realização da perícia.

Se ao final a parte que litiga sob o amparo da assistência judiciária sucumbir, o Estado já terá cumprido com a sua obrigação, podendo vir a buscar eventualmente o ressarcimento dos honorários na hipótese do art. 12 da Lei nº 1.060/50. Caso quem sucumba seja a parte adversa daquela que litiga com a gratuidade de justiça, caberá ao Estado (e não ao perito!) cobrar do sucumbente os honorários que antecipou, já que é seu o dever de prestar assistência jurídica aos necessitados.

Assim, oportunamente, caso desobedecida a ordem judicial determinando a indicação de médico vinculado aos quadros da administração municipal, só resta determinar o sequestro das verbas públicas necessárias ao resguardo do interesse da pessoa portadora de necessidades especiais, através do Sistema BacenJud (inteligência dos arts. 461, §5º e 655-A do CPC) em razão do descumprimento da ordem judicial (Neste sentido: Agravo de Instrumento Nº 70034582502, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 05/02/2010), medida muito mais eficaz à proteção do direito perseguido e muito menos onerosa aos cofres públicos do que a fixação de multa diária ao Erário.

Feitas as necessárias digressões, passo às determinações:

1. Reitere-se Ofício ao Sr. Diretor Superintendente da Fundação Municipal da Saúde, encaminhando também cópia desta decisão, determinando que seja providenciado pela FUSA, no prazo de cinco dias, médico neurologista ou psiquiatra, já com prévia designação de data para o exame em prazo não superior a trinta dias, a fim de elaborar laudo acerca da higidez psíquica da Sra. Ana, conforme decisão de #56, sob pena de multa pessoal no valor de R$ 10.000,00, a ser revertida em favor da interditanda, conforme fundamentação supra, além das sanções de ordem administrativa e criminal cabíveis.

2. Havendo a indicação, intime-se a autora quanto à data da perícia, a fim de que compareça.

3. Com a juntada do laudo, abra-se vistas ao autor por cinco dias e, posteriormente, ao Ministério Público pelo mesmo prazo, vindo os autos conclusos, ao final, para sentença.

4. Caso a determinação seja descumprida, independentemente da justificativa, remetam-se peças ao Ministério Público para adoção das medidas cabíveis, tanto na seara criminal quanto com relação à eventual prática de ato de improbidade administrativa, sem prejuízo também das sanções cíveis cabíveis.

5. Ainda no caso de descumprimento, nomeio o Dr. Fulano a para atuar no feito como médico perito, para quem desde logo fixo honorários em R$ 1.000,00, que serão pagos através de verba pública, a qual será sequestrada através do sistema BACENJUD, conforme fundamentado acima. Encaminhe-se cópia desta decisão à Prefeitura Municipal, a fim de que esteja ciente do eventual sequestro de verba pública caso descumprida a determinação.

Ciência ao Ministério Público.

Intimações e diligências necessárias.

Diante das ameaças de prisão, de multa pessoal e sequestro de verbas públicas, o fato acabou chegando no Sr. Prefeito Municipal, com quem tenho bom relacionamento e por quem nutro profundo respeito, em razão das reiteradas colaborações que frequentemente recebemos de sua parte.

martelo abi

A decisão foi cumprida imediatamente, e em poucas semanas a Sra. Ana foi interditada, podendo, finalmente, requerer os benefícios previdenciários aos quais tem direito junto ao INSS.

Mas esse tipo de ocorrência tem se tornado muito comum. Ordem judicial parece já não ter a eficácia de outrora. É comum só cumprirem as decisões depois que a gente esculhamba e ameaça de tudo e mais um pouco.

Há poucos dias tivemos um caso extremamente preocupante. O Superior Tribunal de Justiça, admoestado para deflagrar Intervenção Federal no Estado do Paraná para cumprimento de ordem judicial, optou por fazer távola rasa da decisão judicial transitada em julgado, bem como, nada fazendo acerca de seu flagrante desrespeito. Para quem não sabe: houve uma decisão de reintegração de posse aqui no interior do estado, em favor dos proprietários de uma área rural, contra uma série de invasores. Houve julgamento, com sentença transitada em julgado, mas as polícias e demais braços armados do Estado se negavam a executar a ordem de reintegração. Diante disso, foi requerida a intervenção federal para restauração da ordem jurídica, a qual entendeu por bem o STJ não acolher.

Vejam bem: houve o devido processo legal, com todos os recursos possíveis e imagináveis, inclusive perante o STJ e STF. Todos rejeitados, sendo considerada perfeita a sentença. E aí, quando se requisita a força policial para seu cumprimento, o Estado se nega a prestá-la... e tudo fica por isso mesmo. Oi???

Sinceramente, se haviam motivos de ordem social ou política para não devolver aquele imóvel aos legítimos proprietários, deveriam as Cortes Superioras, com o devido respeito, ter alterado a decisão no momento e forma oportunos: a reforma da decisão em grau de recurso! Agora, compactuar com esse absurdo descumprimento de decisão judicial é um disparate!

E os exemplos vêm crescendo... É preocupante. Muito preocupante. Daqui a pouco o “ganhou mais não levou” não vai ser a exceção.

E ainda tem maluco que quer acabar com o tipo penal da desobediência à ordem judicial... como se já não fosse suficientemente fraca a punição que ele prevê.

Um grande abraço!

Assintura Sérgio


[1] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª Ed. São Paulo : Atlas, 2007 P. 389.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª Ed. São Paulo : Malheiros, 2000. P. 109.

[3] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª Ed. 5ª T. São Palo : Malheiros, 2001. P. 75.

[4] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 15ª Ed. São Paulo ; malheiros, 2002. P. 818.

[5] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra : Almedina, 2002, p. 336.

[6] DIDIER JUNIOR, Fredie. Obra citada, p. 424.

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