Saiba quais são as áreas de atuação mais promissoras e os perfis de advogados procurados pelo mercado
É provável que Alicia Florrick seja, hoje, a advogada mais famosa da televisão. Protagonista da premiada série dramática The Good Wife, ela prende muita gente no sofá em maratonas intermináveis. Em um episódio típico, lida com uma profusão de dilemas éticos e morais e histórias muito distintas movidas pelos mais variados interesses – não só pela justiça, é fato. Há o inventor de uma moeda virtual acusado de crimes digitais; o empresário que decidiu demitir milhares de pessoas de sua companhia a fim de viabilizar uma fusão; os moradores de um condomínio que adoeceram por contaminação e processam a indústria vizinha; os conflitos que surgem na gravidez, durante um contrato de barriga de aluguel.
Na vertiginosa rotina de Alicia vê-se que não há nada mais ultrapassado do que bocejar imaginando que o advogado é um burocrata que estuda por cinco anos, presta o exame da ordem para comprovar a competência mínima e então não mais ergue os olhos dos livros, virando um especialista em certo e errado, em legislação e chancelas de contrato. O cenário é bem mais interessante. Quem deseja ser advogado tem à sua espera uma lista extensa de áreas de atuação e desafios. Sim, há um monte de escolas despejando milhares de formados no mercado todos os anos. A demanda, contudo, não é pequena. As oportunidades em escritórios, empresas e no setor público surgem na conjuntura econômica e política, em inovações tecnológicas e nas mudanças demográficas, de estilo de vida, ambientais e de legislação.
Mas afinal quais são as áreas de atuação mais promissoras atualmente e quais os perfis mais desejados? O Estado fez essas e outras perguntas para três especialistas. Veja a análise de cada um deles.
No direito clássico, onde estão as principais demandas do mercado de trabalho?
“Direito tributário, societário e internacional são áreas clássicas do direito que vão continuar precisando de bons advogados. O direito societário tende a sempre ser robusto, porque é afetado pelo humor da economia. Na crise, as pessoas destacam-se os especialistas em leis de falência, reestruturação de empresas e de dívidas. Na alta da economia, os estruturadores de negócio, que fazem captação de financiamento, abertura de capital na bolsa de valores, também serão procurados. Essas áreas clássicas tendem a ser permanentes por conta disso. São amplas o suficiente e com instrumentos para lidar com crise e pujança econômica.” (Emerson Ribeiro Fabiani, doutor em Direito pela USP. É coordenador executivo do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da faculdade de direito da FGV em São Paulo, a GVlaw).
“No momento de crise, acabam se destacando os profissionais que podem evitar uma possível perda financeira para a empresa. Profissionais da área tributária adquirem uma importância muito grande. O mercado tributário no Brasil é um dos cenários mais desafiadores do mundo. Precisa de um planejamento e é aí que o profissional do direito entra. Pensando também em fusões e aquisições, os societários são responsáveis justamente por coordenar processos cada vez mais constantes. Em um momento de economia um pouco mais delicado, a atuação é mais discreta, mas continua tendo uma demanda alta. Ele é o responsável por abrir a empresa, confeccionar contratos, definir o tipo de sociedade junto aos envolvidos, estabelecer as regras e fazer alterações. O especialista em direito internacional, por sua vez, orbita em quase todas as áreas do direito. Se você for tratar de comércio com outro país, ele estará envolvido para ver qual regra vamos adotar, o contrato que será estabelecido, a regra da resolução de conflitos.” (Olavo Coimbra, consultor da Hays, especializada em recrutamento e seleção)
Como surgem as novas especialidades do direito?
“O exercício mais difícil de se fazer é tentar separar o que é conjuntural do que é estrutural e gera transformação profunda. A gente pode acompanhar, hoje, discussões sobre a lei anticorrupção, as transformações do novo Código de Processo Civil, sobre mudanças quanto à maioridade penal, reforma política. Enfim, todas essas mudanças vão, em maior ou menor medida, afetar a demanda das profissões jurídicas. Algumas vão provocar mudanças profundas.” (Emerson Ribeiro Fabiani, doutor em Direito pela USP. É coordenador executivo do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da faculdade de direito da FGV em São Paulo, a GVlaw)
Quais as mudanças que já conseguimos observar?
“A lei anticorrupção, por exemplo, e toda preocupação com programas de compliance [norma, regulamentação e cultura anticorrupção] estão transformando a média de remuneração de diretores jurídicos e esse cargo tende a sofrer valorização. Há muitas grandes empresas escolhendo seus diretores jurídicos como “compliance officers”. Isso aumenta a responsabilidade tem impacto na remuneração. Pode ser uma mudança conjuntural e talvez o mercado arrefeça quando os programas estiverem estabelecidos e bem calibrados.” (Emerson Ribeiro Fabiani, doutor em Direito pela USP. É coordenador executivo do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da faculdade de direito da FGV em São Paulo, a GVlaw)
“O especialista em compliance é o advogado presente na criação e estruturação de controles internos, normas de conduta das empresas, ética, valores, é quem cria todas essas normas dentro da estrutura respeitando a lei anticorrupção. Ele vai criar os organismos dentro da empresa, as regulamentações necessárias para que as empresas não se envolvam em casos de corrupção.” (Olavo Coimbra, consultor da Hays, especializada em recrutamento e seleção)
O que muda no longo prazo e quais as novas áreas que estão surgindo?
“Têm impacto de longuíssimo prazo as mudanças de regra de aposentadoria. Isso vai gerar uma demanda hoje não existente para especialistas em direito previdenciário. É sabido que o Brasil vai passar por uma transformação demográfica muito séria nos próximos anos. Uma mudança de perfil demográfico com aumento de representação da população mais idosa. O direito previdenciário e securitário são áreas com grande potencial de crescimento.
Outro campo muito óbvio para quem vive em um país como o nosso é o campo que cruza urbanismo com meio-ambiente. Direito ambiental e urbanístico serão centrais. Não estou pensando só em obras de infraestrutura no norte do país, pensando em Belo Monte. Estou pensando em desafios como os da cidade de São Paulo. Impactos de plano diretor, como isso muda a vida das pessoas e pede um profissional do direito que precisa pensar de uma maneira diferente. Esse não é o profissional típico. É um profissional capaz de discutir política urbana, no movimento urbano, é um perfil que não é fácil de se encontrar.
As áreas de atuação mais promissoras são, portanto, mediação e conciliação, ou seja, os meios de solução consensual de disputa; arbitragem, que é um meio alternativo de solução de disputa com grande potencial de crescimento; compliance; direito previdenciário; direito urbanístico e ambiental; todos os temas que a gente associa ao campo da inovação: no mundo do direito a gente associa à inovaçãopropriedade intelectual (patentes, entretenimento, startups), responsabilidade civil (como lidar com os novos temas? Qual a responsabilidade civil de um servidor que armazena um conteúdo tido como ilegal ou prejudicial a um terceiro?). Tudo que diz respeito à inovação trará desafios novos, desafios que o direito ainda não enfrentou. Eu investiria nesse campo também do direito digital, tema amplo que abarca inovação e propriedade intelectual.” (Emerson Ribeiro Fabiani, doutor em Direito pela USP. É coordenador executivo do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da faculdade de direito da FGV em São Paulo, a GVlaw)
“No Mackenzie, temos apostado muito em duas áreas que dão um perfil menos litigioso e mais consultivo, o direito da inovação e o direito digital e das telecomunicações.” (Susana Barbosa, professora e coordenadora dos trabalhos de graduação interdisciplinar da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie)
“Em termos de direito digital, a procura é crescente, mas ainda não se trata de uma demanda por um especialista no digital, mas um profissional com conhecimento em digital. O e-commerce no Brasil vem crescendo e você precisa do advogado antenado e conectado com essas novas questões.” (Olavo Coimbra, consultor da Hays, especializada em recrutamento e seleção)
'Direito tributário, societário e internacional são áreas clássicas do direito que vão continuar precisando de bons advogados', prevê especialista Foto: Divulgação
O que muda com o novo Código de Processo Civil?
“O novo Código de Processo Civil, que deve passar a valer a partir do ano que vem, terá muito reflexo em uma área específica e de muito pouca formação ainda, a área de conciliação, mediação e arbitragem, que traz uma autorização ampliada para que a gente chegue às soluções dos casos jurídicos sem necessariamente solicitar intervenção do poder judiciário. É uma área que encaminha os casos para uma resolução entre as partes sem precisar do magistrado, do jurista, dizendo quem tem razão. Nossos contratos serão revisados pensando nessa hipótese de uma parte sentada na mesa com a outra parte e negociando. Isso deve modificar os cursos de graduação e pós-graduação. No Mackenzie, temos apostado muito em duas áreas que dão um perfil menos litigioso e mais consultivo, o direito da inovação e o direito digital e das telecomunicações.” (Susana Barbosa, professora e coordenadora dos trabalhos de graduação interdisciplinar da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie)
“Deve aumentar a demanda de conciliação, mediação, do perfil contencioso e consultivo, não só por causa do código, mas também por uma questão de entendimento das empresas, de profissionalização, atenção aos prazos, bons relacionamentos. O mercado está tentando ao máximo evitar o que gera perda, demanda, litígio. Então, vai ter uma boa procura o advogado consultivo do tributário, por exemplo, o bom advogado de planejamento tributário, o bom advogado de contratos e o bom advogado que possa, sobretudo, prevenir conflitos. (Olavo Coimbra, consultor da Hays, especializada em recrutamento e seleção)
Quem é o profissional do futuro no direito?
“Ele é capaz de dialogar para fora do direito e transitar entre áreas que normalmente são tratadas como estanque. É, por exemplo, o profissional do direito societário que consegue ler um balanço e discutir com quem o elaborou. É o profissional do direito da infraestrutura que tem capacidade de sentar com um financista e discutir a tomada de decisão de um financiamento. É um profissional do direito administrativo que tem condições de falar com o economista sobre a taxa de retorno de um projeto. Não fará sentido, lá na frente, um advogado que venha das áreas clássicas do direito societário e tributário e que não tenha capacidade de interface com profissionais de outras áreas.” (Emerson Ribeiro Fabiani, doutor em Direito pela USP. É coordenador executivo do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da faculdade de direito da FGV em São Paulo, a GVlaw)
“Antigamente o profissional do direito era visto como um certo burocrata. Hoje em dia, se você conversar com os diretores jurídicos das empresas, verá que eles buscam um ‘business partner’, ou seja, justamente o profissional que está próximo e ajuda a viabilizar o negócio de maneira legal e não simplesmente carimbar documento. Esse é um perfil que está sendo buscado no mundo corporativo. É na área de negócios e de administração de empresas que se obtém essa formação complementar.” (Olavo Coimbra, consultor da Hays, especializada em recrutamento e seleção)
“O profissional do futuro é aquele que parou de acreditar que precisa se envolver numa única área. Ele não pode ser um grande tributarista sem entender, por exemplo, de recuperação judicial. Tem de acompanhar os grandes temas e estar habilitado para a resolução de casos complexos. Tem de ter uma formação sólida e aprofundada, não basta fazer curso sobre o tema rapidinho e na superfície.” (Susana Barbosa, professora e coordenadora dos trabalhos de graduação interdisciplinar da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie)
Quais as características mais desejadas nesses profissionais?
“Noções de contabilidade, planejamento estratégico, liderança, economia. Uma grande deficiência está na gestão de pessoas. Encontrar profissionais da área jurídica que saibam gerir pessoas é difícil. Não estou falando somente do advogado de escritório que precisa formar estagiários e lidar bem com uma cadeia de advogados júnior, pleno e sênior. Estou falando de juiz de direito, que tem uma equipe de assessores e precisa saber gerir essa equipe, o tipo de estilo, como cobrar. O juiz que assume uma comarca no interior de São Paulo, tem de gerir um fórum, o prédio, os funcionários, as compras. Juízes, procuradores e promotores lidam o tempo inteiro com o outro e poderiam ter sua performance melhorada se dominassem técnicas de negociação que não costumam ser desenvolvidas em faculdades de direito, mas em escola de administração, no MBA.” (Emerson Ribeiro Fabiani, doutor em Direito pela USP. É coordenador executivo do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da faculdade de direito da FGV em São Paulo, a GVlaw)
“Ainda é difícil de encontrar quem fale inglês e não há espaço em multinacionais, nas carreiras de longo prazo e executivas, para quem não domina o inglês. Em termos de perfil pessoal, procura-se também quem levante da mesa, procure a área de negócio, entenda o que a empresa faz e queira desenvolver sua atividade dentro do jurídico. O mercado procura alguém que propõe solução muito além da teoria do direito”. (Olavo Coimbra, consultor da Hays, especializada em recrutamento e seleção)
“No direito, a nossa briga é com palavras. É preciso se apropriar da cultura geral. O profissional do direito não consegue decidir se não souber o que está acontecendo. Precisa acompanhar as áreas econômica, política e jurídica para ler e escrever com propriedade. Seu diferencial ao escrever é propor grandes soluções. Tem de se interessar por história, geografia e economia. Tem de entender, por exemplo, que na votação da redução da maioridade penal a questão não é apenas social e jurídica. É política e econômica.” (Susana Barbosa, professora e coordenadora dos trabalhos de graduação interdisciplinar da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie)
Como se preparar e complementar a formação?
“O direito é um mundo enorme. Eu não tinha essa ideia quando prestei o vestibular. Na verdade, as pessoas olham para as profissões clássicas e acreditam que elas são encaixáveis em pequenos escaninhos. Têm a noção do que é um trabalho de um juiz, de um promotor e de um advogado. Na faculdade, porém, o mundo se descortina e você vê que mesmo se ficar preso a essas três áreas tradicionais há muitos campos. Em todas, para se destacar, o profissional vai ter que transcender a formação tradicional, o manejo com proficiência dos institutos jurídicos. Para se distinguir, vai ter de dominar certas habilidades.” (Emerson Ribeiro Fabiani, doutor em Direito pela USP. É coordenador executivo do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da faculdade de direito da FGV em São Paulo, a GVlaw)
“Você, no direito, não tem aula de economia e marketing, estudos que um profissional de administração tem. Da faculdade, sai preparado para ser bom advogado, com bom entendimento das leis, mas se vai atuar em empresas precisa entender disso. Em qualquer área de atuação, valoriza-se o bom estágio, se formar em bom escritório e reunir boas especializações. Estudar direito corporativo no exterior, fazer mestrado, investir no MBA: todas essas coisas fazem diferença.” (Olavo Coimbra, consultor da Hays, especializada em recrutamento e seleção)
“Os vestibulares ainda são muito clássicos. O curso é amplo e generalista e dura cinco anos. A formação obrigatória passa pelo estudo de todas as grandes áreas e de fundamentos de filosofia, sociologia, direito civil e tudo mais. Durante o curso o aluno poderá estagiar na faculdade ou fora dela. No fim, se deseja advogar, prestará o exame da OAB, que averigua o domínio das competências mínimas. As especializações ele encontrará na pós-graduação.” (Susana Barbosa, professora e coordenadora dos trabalhos de graduação interdisciplinar da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie)
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